“Temos de eliminar os preconceitos e estigmas que estão à volta do tema obesidade! A obesidade é uma doença”

8ª Reunião Temática do NEDM

Médica especialista em Medicina Interna e diabetes, no Centro Hospitalar do Oeste – Unidade de Caldas da Rainha, Joana Louro destaca os principais pontos altos da reunião científica, defendendo que “só trabalhando em parceria é que conseguiremos desenhar um caminho de perspetiva de futuro”.

O Núcleo de Estudos da Diabetes Mellitus (NEDM) realiza a sua 8º reunião dia 14 de maio, em Peniche. O que se pode esperar deste encontro?

Joana Louro: Pretendemos reunir vários especialistas de MI e de outras especialidades, nomeadamente de Medicina Geral e Familiar, para debatermos de uma forma empática, leve, mas com rigor e exigência científica o tema da obesidade. Espero ter muita gente em sala para discutirmos esta temática.

A que se deve a escolha deste tema?

J.L: A obesidade é uma doença crónica, complexa, multifatorial e que está associada a um cem número de comorbilidades e um aumento da mortalidade de forma significativa. Por outro lado, é uma doença transversal a várias patologias, e não deve ser visto como um problema de estética ou imagem, ou reduzida aos conceitos de maus hábitos alimentares e sedentarismo.

De que forma deve ser encarada?

J.L: Sendo uma doença crónica tem de ser vista, diagnosticada e abordada como tal. Temos de reduzir e eliminar todos os preconceitos e mitos que estão à volta deste tema, os médicos que tratam a doença crónica, como os médicos internistas, têm de olhar para a obesidade com uma visão absolutamente diferente. É determinante mudar o paradigma sobre a abordagem, diagnóstico e tratamento da obesidade. Esta é uma das doenças mais prevalentes, mais subvalorizadas, menos diagnosticadas e menos tratadas no nosso país. A obesidade não é apenas um problema de saúde, é um problema prioritário de saúde pública! Costumamos dizer que a diabetes e a obesidade são duas epidemias gémeas.  Integram o mesmo contínuo fisiopatológico, em dois espectros da mesma doença. Faz sentido começar a olhar para a obesidade, a sua irmã gémea, desta forma.

O que pode destacar no que respeita ao alinhamento preparado?

J.L: Iniciaremos a manhã a falar da fisiopatologia desta doença e das opções terapêuticas existentes. Mas por ser uma doença com impacto importante em várias patologias, decidimos desta vez juntar à mesma mesa diferentes núcleos da SPMI, ou seja, vamos juntar não só a diabetes, mas também o coordenador do Núcleo de estudos de Insuficiência Cardíaca, do Núcleo de Estudos das Doenças do Fígado e do Núcleo de Estudos das Doenças Respiratórias. Costumo dizer que, todos, somos poucos para lutar contra este flagelo e para promover a mudança de paradigma que pretendemos. Só trabalhando em parceria é que conseguiremos desenhar um caminho de perspetiva de futuro.

Mais de 65% da população adulta em Portugal vive com excesso de peso ou obesidade. Como explica estes números?

J.L: A prevalência da obesidade tem aumentado em todo o mundo nos últimos 50 anos, e começa a existir em países subdesenvolvidos onde antes prevalecia a subnutrição. A obesidade aumenta proporcionalmente com a idade e inversamente com o nível socioeconómico. Sabemos que em 2020, 650 milhões viviam com obesidade – uma verdadeira pandemia! Em Portugal, seis em cada 10 portugueses têm excesso de peso ou obesidade, de acordo com dados de um inquérito de 2016. Sabemos que estes números estão a aumentar de forma dramática e assustadora.

O que está a falhar na sociedade portuguesa e que está por detrás destes números galopantes e que já atingem jovens e crianças?

J.L: Está a falhar quase tudo! Apesar de ser uma doença complexa e multifatorial, é uma doença que em muitas situações pode ser prevenida e pode ser tratada precocemente. Estamos a falhar enquanto médicos e enquanto sociedade. Precisamos de uma abordagem que combinem abordagens individuais, estratégias de prevenção, estratégias terapêuticas comparticipadas e que, neste momento, não o são. Precisamos também de mudanças sociais e políticas. O que está a falhar é o trabalho conjunto… o qual deve envolver não só profissionais de saúde, mas também a sociedade civil e os decisores políticos pois são precisas medidas políticas a suportar esta mudança de paradigma.

Como avalia a resposta do SNS no acesso e tratamento da obesidade?

J.L: Só diagnosticamos aquilo que suspeitamos e com o qual nos preocupamos. Se a comunidade médica e o sistema de saúde não estiver feito para encarar esta doença como uma patologia não a vai diagnosticar e identificar. É preciso uma abordagem inicial com o doente feita pelos médicos de proximidade, e, depois, é preciso um encaminhamento global pois a abordagem é multidisciplinar. Neste momento, não temos no SNS redes montadas para o tratamento da doença de forma multidisciplinar e holística, precisamos de nutricionistas, programas de exercício, terapêuticas comparticipadas. Se dizemos que esta é uma doença que aumenta a prevalência de forma inversamente ao nível socioeconómico, não conseguimos que estes doentes consigam pagar os medicamentos que existem neste momento ao dispor.

O SNS, do ponto de vista de resposta, simplesmente não existe, ou existe de forma muito residual e não abrange toda a sociedade. O que existe, neste momento, é um encaminhamento para uma cirurgia bariátrica. Não estamos a prevenir nem a tratar de forma farmacológica como deveríamos por falta de comparticipação e porque os doentes não conseguem suportar os custos, mas estamos a financiar cirurgias bariátricas. Diria que está tudo invertido e deve ser reestruturada, reorganizada e redesenhada toda a forma de abordar a obesidade. Não podemos esquecer que ao tratar a obesidade não estamos a tratar só aquela doença, estamos a prevenir outras como doenças cardiovasculares, demência, problemas respiratórios, insuficiência cardíaca, neoplasias, enfim…

Tratar a obesidade precocemente permite poupar custos diretos no sistema de saúde…

J.L: Ao tratar a obesidade estamos a reduzir uma panóplia de outras doenças que implicam um custo muito elevado para a saúde. Além de tratar a obesidade em si estamos a reduzir custos diretos em saúde com estas morbilidades associadas, e além deste impacto direto, estamos a melhorar outros pontos. Veja-se que a obesidade também está associada a desemprego, depressão, e está a ganhar contornos de flagelo social. Por outro lado, para além da sua abordagem do ponto de vista clínico, iríamos ter repercussões do ponto de vista económico e social. E a saúde é isto: é tratar as pessoas como um todo, de forma que o impacto positivo que tenha transcenda os custos e traduza ganhos em saúde, ou seja, ganhos de qualidade de vida e felicidade.

A prevenção deve começar no ambiente escolar?

J.L: Sim, é aí que conseguimos ter mais impacto do ponto de vista educacional e moldar as famílias do ponto de vista ideológico. É muito difícil alterar estruturalmente e culturalmente o seio familiar, mas se entrarmos por meio das crianças conseguimos esses resultados de forma mais evidente. Na saúde, a educação ao nível da idade escolar é muito importante porque é muito importante explicar aos miúdos conceitos básicos de alimentação, exercício, e também não estigmatizar e dar-lhes ferramentas para conseguirem lidar com a doença que cada vez mais existe em idades precoces.

Entrevista publicada no HealthNews

(03/05/2022)