Recomendações do Núcleo de Estudos de Urgência e do Doente Agudo para a abordagem da COVID-19 no Serviço de Urgência – revisto

Atendendo à segunda vaga da pandemia COVID-19 em que Portugal se encontra, fizemos uma revisão do protocolo anterior, tendo em conta os avanços que têm sido feitos no diagnóstico e terapêutica desta doença.

Todos os doentes com quadro respiratório agudo que se dirijam ou sejam encaminhados ao serviço de urgência devem ser atendidos em Áreas Dedicadas COVID-19.

São considerados casos suspeitos COVID-19 todos aqueles com:

– Quadro agudo de tosse (ou agravamento da tosse habitual ou associada a cefaleias ou mialgias) ou
– Febre (temperatura ≥38°C) ou
– Dispneia/dificuldade respiratória ou
Anosmia, ageusia ou disgeusia de início súbito

A todos estes doentes deve ser fornecida máscara cirúrgica e devem ser submetidos a pesquisa por RT-PCR de SARS-CoV-2 em amostras do trato respiratório superior e/ou inferior colhidas de forma adequada, devendo ser feita notificação na plataforma SINAVE.

Os profissionais de saúde envolvidos na avaliação e abordagem destes doentes devem estar devidamente equipados com EPI de contacto e de gotícula, nomeadamente bata, proteção ocular, touca, cobre-botas, luvas e máscara de acordo com o risco de exposição:

– Máscara FFP2 em áreas de coorte ou isolamento COVID-19 ou aquando da realização de procedimentos geradores de aerossóis;
– Ou máscara FFP3 em procedimentos geradores de aerossóis de risco elevado.

Os doentes suspeitos devem ser observados e avaliada a necessidade de internamento hospitalar, devendo ser admitidos aqueles que cumprirem 1 ou mais dos seguintes critérios:

Ausência de condições de habitabilidade ou de exequibilidade de isolamento no domicílio e indisponibilidade de estruturas residenciais alternativas
Presença de comorbilidades (DPOC, Asma, Insuficiência Cardíaca, Diabetes Mellitus, Doença Hepática ou Renal Crónica, Neoplasia Maligna Ativa, Imunossupressão)
Temperatura ≥38°C persistente com mais de 48-72h ou reaparecimento de febre após apirexia (avaliar caso a caso)
Alteração do estado de consciência
Instabilidade hemodinâmica
Dispneia em repouso ou para pequenos esforços
Frequência respiratória ≥30cpm
SatO2 ≤ 94% em ar ambiente na ausência de outra causa
Documentação radiológica de pneumonia
Hemoptises
Vómitos persistentes ou diarreia grave
Leucopenia, linfopenia ou trombocitopenia na ausência de outra causa

Exames complementares de diagnóstico a pedir no serviço de urgência antes do internamento:

Hemograma completo com plaquetas, função renal, provas hepáticas, LDH, proteína C

reactiva, coagulação com D-dímeros e procalcitonina

Gasometria arterial
Radiografia de tórax, eventual TC torácica
ECG e eventual troponina
Hemoculturas, exame bacteriológico da expetoração
Antigenúria para Streptococcus pneumoniae e Legionella
Pesquisa de Vírus  Influenza

É importante avaliar a presença de outros agentes microbiológicos, sendo que a identificação de outro vírus ou bactéria não exclui a doença COVID-19.

COVID 19 – Achados comuns
Analíticos leucopenia, linfopenia, elevação das transaminases, da LDH e da PCR, associadas a níveis baixos de procalcitonina.

(Pensa-se que a elevação dos D-dímeros esteja associada a mau prognóstico)

Radiografia de Tórax Opacidades multifocais com distribuição periférica
TC Torácica

 

Pode mostrar áreas de vidro despolido que tendem a ser bilaterais e mais periféricas, que podem evoluir para áreas de consolidação e pneumonia organizada

(A TC Torácica tem maior sensibilidade contudo, pode implicar problemas logísticos)

TRATAMENTO

Doentes sem indicação para internamento

Doentes assintomáticos / Sintomas ligeiros e sem dispneia / Radiografia torácica sem alterações

Tratamento sintomático e vigilância no domicilio. Utilizar paracetamol.

Doentes com indicação para internamento

Os doentes internados devem estar em repouso, com monitorização de sinais vitais e ser assegurado o tratamento de suporte, adequada nutrição e hidratação.

Administração de Oxigenoterapia para SatO2 >94% por dispositivos sem humidificação. Terapêutica broncodilatadora sem aerossolização.

Profilaxia do tromboembolismo venoso com heparina de baixo peso molecular, exceto se contraindicada.

Administração de Remdesivir em doentes que reúnam os seguintes critérios (todos eles): infeção confirmada por SARS-CoV-2; pneumonia confirmada por radiografia de tórax ou TC torácica; SatO2 <94% com necessidade de O2 suplementar; idade ≥ 12 anos; peso ≥ 40Kg.

A utilização de Remdesivir deverá ser feita com cautela em doentes com valores de ALT (alanina aminotransferase) superiores a cinco vezes o limite superior do normal e clearance da creatinina < 30mL/min.

O Remdesivir deve ser administrado durante 5 dias, na dose de 200mg ev no 1º dia durante 30 a 120 minutos, seguido de 100mg/dia ev a cada 24h durante 30 a 120 minutos, durante os restantes 4 dias. Na ausência de melhoria clínica e considerando o risco/benefício pode ser prolongada a terapêutica até 10 dias.

Relativamente à corticoterapia, não está recomendada nos doentes com doença ligeira a moderada, particularmente até ao 7º dia após início dos sintomas, exceto se indicada por outros motivos (exacerbação de DPOC ou asma, choque séptico). A dexametasona pode ser considerada nos doentes com doença grave e crítica, a partir do 7º dia após o início dos sintomas. A dose recomendada é de 6mg, uma vez por dia, até 10 dias, por via entérica ou parentérica.

Critérios de alta:

Os doentes internados com COVID-19 na enfermaria podem ter alta para o domicílio se tiverem evolução clínica favorável:

– Apirexia mantida há pelo menos 2 dias,
– Evolução clínica favorável,
– Ausência de insuficiência respiratória ou de necessidade de oxigenoterapia,
– Ausência de agravamento imagiológico e
– Condições de exequibilidade de isolamento no domicílio ou possibilidade de encaminhamento para uma estrutura residencial alternativa.

Deve ser assegurado um plano de reabilitação respiratória, neuromuscular e osteoarticular aos doentes com COVID-19 em fase de recuperação.

Critérios para fim das Medidas de Isolamento

O fim das medidas de isolamento dos doentes sintomáticos com COVID-19 é determinado pelo cumprimento dos seguintes critérios, sem necessidade de realização de teste laboratorial para SARS-CoV-2, e de acordo com a gravidade clínica:

  1. Doença ligeira ou moderada: 10 dias desde o início dos sintomas, desde que tenha apirexia, sem utilização de antipiréticos, durante 3 dias consecutivos, e melhoria significativa dos sintomas durante 3 dias consecutivos.
  2. Doença grave ou crítica: 20 dias desde o início dos sintomas, desde que apirexia, sem utilização de antipiréticos durante 3 dias consecutivos, e melhoria significativa dos sintomas durante 3 dias consecutivos.
  3. Situações de imunodepressão grave, independentemente da gravidade da doença: 20 dias desde o início dos sintomas, desde que tenha apirexia, sem utilização de antipiréticos, durante 3 dias consecutivos, e melhoria significativa dos sintomas durante 3 dias consecutivos.

Para os doentes com COVID-19 assintomática, isto é, pessoas sem qualquer manifestação clínica de doença à data do diagnóstico laboratorial e até ao final do seguimento clínico, o fim das medidas de isolamento é determinado 10 dias após a realização do teste laboratorial que estabeleceu o diagnóstico de COVID-19.

Para as situações seguintes, o fim das medidas de isolamento é determinado pelo cumprimento dos critérios definidos nos pontos anteriores, acrescido da obtenção de um teste laboratorial para SARS-CoV-2 negativo, realizado no momento em que os critérios definidos no ponto anterior são estabelecidos:

  1. Profissionais de saúde ou prestadores de cuidados de elevada proximidade a doentes vulneráveis que iniciam atividade laboral após o fim do isolamento;
  2. Doentes que vão ser admitidos em ERPI, unidades da RNCC, unidades de cuidados paliativos, ou similares;
  3. Necessidade de transferência intra-hospitalar para áreas não-dedicadas a doentes COVID-19.

Quando, nas situações indicadas no ponto anterior, o resultado do teste laboratorial para SARS-CoV-2 for positivo, o isolamento é mantido até completar 20 dias desde o início dos sintomas, determinando-se, nessa altura, o fim do isolamento, sem necessidade de realização adicional de teste laboratorial

Atenção:

Nos 90 dias após o diagnóstico laboratorial de infeção por SARS-CoV-2 não deve ser realizado novo teste laboratorial para diagnóstico de SARS-CoV-2 exceto nas pessoas que desenvolvam os sintomas e que:

  1. Simultaneamente sejam contato de alto risco de um caso confirmado de COVID-19, nos últimos 14 dias e não exista diagnóstico alternativo (incluindo outros vírus respiratórios) para o quadro clínico.
  2. Apresentem situações clínicas de imunodepressão

Bibliografia

  1. Direção Geral da Saúde, Norma 004/2020, disponível em https://covid19.min-saude.pt/wp-content/uploads/2020/10/Norma_004_2020_act_14_10_2020.pdf
  2. Direção Geral da Saúde, Norma 007/2020, disponível em https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circulares-normativas/norma-n-0072020-de-29032020-pdf.aspx
  3. Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos – Recomendações da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos para a abordagem do COVID-19 em Medicina Intensiva
  4. Sociedade Portuguesa de Medicina Interna – Recomendações do Núcleo de Estudos de Doenças Respiratórias para o Tratamento Não Invasivo da Insuficiência Respiratória Aguda em doentes com COVID-19
  5. Rapid Advice for COVID-19 Clinical Practice Guidelines (2020), Medscape, 26 Março 2020
  6. Belgium Task Force on Supportive Care and Antiviral/Immunologic Treatment of Hospitalized Patients With Suspected or Confirmed COVID-19 (2020), Medscape, 7 Abril 2020
  7. UCSF COVID-19 ID Clinical Working Group, disponível em https://infectioncontrol.ucsfmedicalcenter.org/sites/g/files/tkssra4681/f/COVID-19%20Clinical%20Evaluation%20Guide.pdf

Revisão de Outubro de 2020