Posição da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) referente ao Plano Estratégico para o Desenvolvimento dos Cuidados Paliativos biénio 2017-2018

Considerando que a Medicina Interna é a especialidade que mais lida com doentes que carecem de cuidados paliativos a direcção da SPMI deliberou tomar posição, durante o período de discussão pública, sobre o Plano Estratégico para o Desenvolvimento dos Cuidados Paliativos. Para a sua redacção foi ouvido o secretariado do Núcleo de Estudos de Medicina Paliativa (NEMPal), nomeadamente a Dra. Elga Freire, coordenadora da EIHSCP do Centro Hospitalar do Porto e coordenadora do NEMPal; Maria do Céu Rocha, coordenadora da Equipa de Cuidados Paliativos da ULSM e elemento do NEMPal; Dr. Rui Carneiro, coordenador da Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital da Arrábida e elemento do NEMPal; Dra Florbela Gonçalves, médica do Serviço de Cuidados Paliativos do IPO de Coimbra e elemento do NEMPal e Dra Lourdes Pinhal, médica do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital de Cantanhede, elemento do NEMPal.

1. A SPMI saúda a iniciativa de criar um Plano Estratégico para o Desenvolvimento dos Cuidados Paliativos, porque o número de doentes que carecem deste tipo de cuidados está a crescer, porque diariamente lidamos nos hospitais com muitos destes doentes, enfrentando a impossibilidade de lhes dar alta por insuficiência de resposta fora do hospital e porque, também dentro dos hospitais, é ainda insuficiente o número de profissionais com formação nesta área. Consideramos que os especialistas de Medicina Interna, pela sua preparação holística, estão bem preparados para se diferenciarem nesta área e cuidarem destes doentes, que tanto podem ter uma doença oncológica como uma doença terminal de órgão e pode apresentar um amplo espectro de sintomas que necessitam ser controlados.

2. Consideramos que, no essencial, o documento se encontra bem elaborado e reflecte as boas práticas estabelecidas em relação aos Cuidados Paliativos.

3. O papel da Rede Nacional de Cuidados Paliativos não fica clarificado na leitura do Plano, uma vez que, sendo preconizada a transferência directa de doentes entre equipas (págs. 17 e 30), a validação pelos coordenadores da Rede deixa de se colocar. Deve continuar a existir uma Rede paralela à RNCCI, com carácter clinico, quando isso não acontece em relação a qualquer outra tipologia de doentes? Numa altura em que a preocupação dos vários sistemas de saúde é a integração de cuidados e muitos doentes nas Unidades de CCI necessitam também de cuidados paliativos, pomos a dúvida se faz muito sentido criar uma rede paralela à dos Cuidados Continuados Integrados (CCI), sobretudo se reproduzir os erros e o carácter burocratizante que caracteriza a rede de CCI.

4. É preconizada a abertura/manutenção de Unidades de Internamento de Cuidados Paliativos apenas em hospitais de agudos, bem como o fecho/alteração de tipologia de Unidades existentes da RNCCI. É nosso entendimento que existe uma faixa importante de doentes paliativos que, a necessitar de internamento, não se enquadram em qualquer das tipologias de cuidados existentes, pelo que consideramos ser importante existir internamento de cuidados paliativos fora dos hospitais de agudos.

5. Em relação às equipas de cuidados paliativos ou às unidades de cuidados paliativos nos hospitais pensamos que deviam estar integradas preferencialmente em serviços de Medicina, que são quem lida mais intensamente com este tipo de doentes e para tornar mais flexível a gestão dos recursos humanos, que se torna mais difícil sempre que se promove a autonomia das unidades.

6. Em relação à proposta de criação da Especialidade de Medicina Paliativa, estamos em desacordo. Pensamos que é necessária a existência duma competência reconhecida em Medicina Paliativa, a qual já existe e é suficiente. A criação de uma especialidade não tem vantagens adicionais mas tem muitas desvantagens: cria mais silos dentro e fora dos hospitais, torna mais difícil a gestão de recursos humanos, obriga os jovens licenciados a enveredar por uma actividade clínica tão complexa e profunda logo à saída da faculdade e condena médicos ao exercício de um tipo de cuidados até ao fim da sua vida profissional, sem possibilidade de retorno ou de acumulação com outro tipo de actividade, numa área de grande risco de burn-out. É crucial ter maturidade e uma sólida base formativa em áreas como a Medicina Interna, a Medicina Geral e Familiar ou a Oncologia, entre outras, para se ser capaz de ter uma visão global e profunda da saúde e da doença, de gerir o sofrimento, os sintomas e compreender a dinâmica bio-psico-social do ser doente. Propomos a manutenção da Competência, não contribuindo de forma adicional para um problema da Medicina Moderna: a fragmentação dos saberes e a Superespecialização.

7. Consideramos ser necessário definir o que são Centros de Referência em Cuidados Paliativos, uma vez que a portaria 194/2014 se refere a Centros para Doenças Raras, que não podem ter o mesmo enquadramento.

8. Em relação aos rácios referidos, nomeadamente para Equipas Comunitárias de Suporte em Cuidados Paliativos, consideramos que o número de 2 ETC enfermeiros preconizado é manifestamente insuficiente, sendo que o número indicado por Xavier Gomez- Batiste (“Organization de Servicios e Programas de Cuidados Paliativos”, Aran 2005), bem como as “Recomendaçöes para a Organização de Serviços de Cuidados Paliativos” – APCP 2006, referem um número de 2 a 3 enfermeiros por 100.000 habitantes.

Lisboa, 15 de Outubro de 2016

Luís Campos
Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna