“Este encontro demonstrou o gosto que os internistas têm pelo trabalho em Urgência”

Maria da Luz Brazão, coordenadora do Núcleo de Estudos de Urgência e do Doente Agudo (NEUrgMI) da SPMI, afirmou que o 7.º Congresso Nacional de Urgência, que decorreu de 2 a 4 de setembro, na Madeira, superou todas as suas expectativas “pelo elevado nível científico e pelo entusiasmo dos cerca de 300 congressistas presentes”, garantindo que todos os temas abordados foram excelentes. Apelou, ainda, ao Ministério da Saúde que tenha em consideração as soluções apontadas pelos médicos internistas, no sentido de melhorar as condições nas urgências hospitalares.

Qual o balanço que faz deste 7.º Congresso Nacional de Urgência, em termos quantitativos e qualitativos?

Este Congresso é organizado anualmente pelo Núcleo de Urgência e do doente agudo da SPMI (NEUrgMI). Teve a sua primeira edição na Madeira em 2015. Desde então já percorreu Portugal de norte a sul (já estivemos em Braga, Coimbra, Setúbal, Portimão e Penafiel). Este ano, (precisamente sete anos depois) voltamos a encontrar-nos na ilha. É para mim um orgulho e uma enorme satisfação ver como este congresso tem crescido de ano para ano, não só em número de congressistas, mas também em qualidade científica. Este facto mostra a atualidade do tema e o interesse dos Internistas que maioritariamente asseguram as urgências no nosso país, em se atualizarem e darem o seu contributo para a resolução dos problemas e suas consequentes polémicas à volta dos serviços de urgência (SU) em Portugal. As expectativas por mim colocadas no início deste congresso foram largamente superadas pelo elevado nível científico e pelo entusiasmo dos cerca de 300 congressistas presentes que participaram ativamente nas sessões, nas mesas redondas e conferências, nos encontros com os Especialistas, nos cursos pré-congresso (que esgotaram em número de Formandos), nos eventos especiais e sociais e na “agenda paralela”, aquela que cumprimos nos intervalos das sessões e que nos permitiu fazer novas relações de trabalho e amizade. Em toda esta atividade nestes dias de congresso, atualizámos o nosso conhecimento científico, discutimos, partilhámos preocupações, ideias e soluções para os problemas à volta das urgências, entre nós e com a Tutela, que espero ajudem a solucioná-las.  O tema de fundo que escolhi este ano para o congresso foi “SU, o mar que nos une”, a pensar que o mar em vez de nos separar, é um magma que nos une e fortalece, permitindo-nos partilhar dificuldades e encontrar soluções. Nós, internistas, intervenientes ativos em todo este processo, que somos o fim da linha na prestação de cuidados de saúde urgentes, nas urgências do nosso país, nas quais sentimos diariamente o bater dos problemas e das necessidades dos doentes, precisamos de soluções imediatas.

Quais as sessões que destaca em termos de adesão e de interesse demonstrado pelos participantes?

Do meu ponto de vista todos os temas abordados neste congresso foram excelentes, o que se confirmou pela adesão e interesse demonstrado pelos congressistas, nos encontros com o Especialista, mesas redondas conferências e sessões debate. Se tivesse de destacar algum, salientava as duas sessões debate: o brainstorming “Reflexão sobre os problemas à volta da urgência” e “Como valorizar a formação em urgência em descontinuidade territorial”, as conferências de abertura e encerramento: a primeira a salientar formas de valorizarmos a nossa formação em urgência, que é de vital importância para a qualidade dos cuidados de saúde prestados no SU e a segunda, que abordou a importância e o papel da Medicina Interna na continuidade de cuidados prestados aos doentes, numa perspetiva de futuro muito bem estruturada e que muito apreciei.

Qual o balanço que faz do número de comunicações orais e posters?

O número superou as nossas expectativas, o que mostra o interesse dos nossos Internos na discussão interpares das várias situações com que se deparam no SU. Foram selecionados pelos revisores 132 posters e 45 comunicações orais, as quais foram apresentadas durante o decorrer do congresso a um júri que selecionou os melhores.

Qual a recetividade aos cursos que se realizaram nos dias 1 e 2?

Tivemos os três cursos pré-congresso esgotados, os quais no final, tiveram um feedback dos Formandos muito bom. O curso “O Internista e a urgência”, que é um curso muito prático e interativo, teve três vertentes formativas que incluíram um curso de simulação clínica em situações de urgência onde foram treinadas as competências técnicas e não técnicas, necessárias à abordagem de várias situações clínicas com que nos deparamos no SU, dois workshops de Imagiologia na urgência, um sobre neuroimagem e outro sobre imagem torácica, um workshop sobre abordagem das arritmias no SU e um curso de acessos venosos centrais. Os cursos POCUS – Ecografia à cabeceira do doente, valorizou muito esta ferramenta diagnóstica de extrema importância para qualquer médico que faz SU e o curso básico de Medicina Intensiva (CBAMI) com treino na abordagem do doente crítico também muito útil para treinar as nossas competências na abordagem dos doentes em ambiente de urgência.

Este encontro correspondeu às expectativas? Quais as principais considerações que os participantes levaram deste Congresso?

Embora neste momento todas as urgências se encontrem numa situação muito difícil, são demasiado importantes no sistema de saúde para que se ponha sequer a hipótese de não terem solução. O que exaspera é as inúmeras vezes que as organizações representativas dos médicos que estão no terreno, em todas as urgências do País (o colégio de Medicina Interna e a SPMI) já apontaram o caminho para as soluções, sem nunca ninguém nos ter ouvido. Será muito difícil encontrar o caminho certo se não consultarem os médicos que têm experiência do trabalho em urgência, que são os internistas. As várias comissões nomeadas pelo Ministério, para a reorganização do panorama das Urgências, são frequentemente constituídas por intensivistas, médicos do pré-hospitalar, anestesiologistas, mas é raro vermos representantes dos médicos que verdadeiramente sabem as mudanças necessárias para melhorar a organização das mesmas. Os médicos que estão lá sempre. A solução passa por desinvestir nas urgências e criar inúmeras portas alternativas, onde os doentes agudos, mais ou menos urgentes, se possam dirigir, quando precisam de ajuda. Não é sustentável que em Portugal haja 70 % de afluência anual ao SU, enquanto na Alemanha anda à volta dos 7 %. Enquanto não invertermos este estado de coisas, não há solução. Ainda por cima, neste momento, há uma sintonia completa entre as especialidades de Medicina Interna e Medicina Geral de Familiar quanto às mudanças necessárias (consultar Documento no site da OM). É só o Ministério seguir o guião. Este encontro demonstrou o gosto que os internistas têm pelo trabalho em Urgência. Entregaram-se aos trabalhos com entusiasmo e sede de aprender cada vez mais.  Os internistas estão na Urgência quase metade do seu horário semanal, isto quando não fazem mais uma ou duas urgências extra. Foi bonito ver a energia e alegria com que os trabalhos deste CNU decorreram. Para além da sólida atualização científica em temas relevantes para o cuidado aos doentes agudos, os congressistas saíram deste CNU com a certeza de que a reforma do sistema de Urgência só chegará a bom Porto, se os internistas deste País forem, desta vez, ouvidos quanto às reformas que já não são urgentes, são emergentes. Agradeço à comissão organizadora todo o empenho colocado na organização deste congresso. Aos colegas congressistas, aos convidados e personalidades presentes, o meu muito obrigada por terem aceitado o desafio de discutir, partilhar e encontrar mais soluções obrigatoriamente melhores e mais funcionais para o futuro das nossas urgências.

(09/09/2022)