Cuidar do ambiente é cuidar da saúde

Tenho a convicção de que a minha geração foi testemunha e protagonista das mais vertiginosas mudanças de toda a história da humanidade, no entanto, carregamos a angústia e a culpa de sabermos que vamos deixar este planeta pior do que o recebemos dos nossos pais.

Não enfrentamos apenas um problema, enfrentamos vários problemas interligados. A sobrepopulação:  demorámos 300 mil anos para chegar ao primeiro bilião de pessoas, 196 anos para chegarmos aos actuais 7,8 biliões e estima-se que seremos 9,6 bilhões em 2050. Nessa altura serão necessários o equivalente a três planetas Terra se continuarmos a consumir recursos naturais com a mesma voracidade atual.  Nesse ano já não haverá peixes no mar para pescar. A degradação dos ecosistemas é avassaladora: só no ano passado ardeu o equivalente a 4.317.100 estádios de futebol apenas na Amazónia. Em cima disto permitimos uma acumulação de 10.000 armas nucleares, sendo que apenas cinco já seriam suficientes para destruir todo o planeta.

No entanto o aquecimento global, causado pela emissão de gases com efeito de estufa, representa actualmente a maior ameaça à sobrevivência do homem e do planeta que já enfrentamos. Estima-se que a subida de temperatura possa atingir os 6º até ao fim do século. Em 2080 já não haverá gelo durante o verão no Polo Norte nem no Polo Sul e em 2100 cerca de 50% das plantas e dos animais da terra estarão extintos A reversão desta ameaça parece ser ainda possível, mas o Intergovernmental Panel on Climate Change considera o ano de 2036 o ano limite. Tudo depende das decisões de cada país, cada organização e cada pessoa nos próximos anos. Os médicos têm obrigação ética de se envolverem neste alerta global porque as alterações climáticas já estão a afetar os nossos doentes e vão condicionar o futuro dos nossos filhos e dos cidadãos em geral.

Na saúde das populações vão-se acentuar as consequências directas do calor, que já afectam principalmente os idosos, as crianças, os sem-abrigo e outras populações mais vulneráveis. Com a poluição do ar estão a aumentar também as doenças alérgicas e a asma, as doenças transmitidas por vectores e as relacionadas com a qualidade da água vão-se disseminar. A escassez de água e de alimentos agravarão a fome, a malnutrição e a diarreia. A degradação do ambiente e dos ecossistemas acentuarão os movimentos migratórios, os conflitos, as doenças mentais e possibilidade de pandemias. As catástrofes naturais provocarão muitas mortes violentas.

Nós médicos, que lidamos já com as consequências na saúde provocadas pelas alterações climáticas, temos obrigação de intervir publicamente nesta causa.  A Organização Mundial de Saúde e várias sociedades científicas, noutros países, já o fizeram. Em Portugal a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) foi a primeira em Portugal a defender isto mesmo.

Em 2017 a SPMI recomendou que fossem intensificadas, a nível nacional e a todos os níveis de responsabilidade da sociedade,  medidas com impacte na redução da emissão de gases com efeito de estufa. Que as questões das alterações climáticas e a sua repercussão na Saúde fossem introduzidas na formação pré e pós graduada dos médicos. Que cada médico devia ser um agente activo na defesa de práticas sustentáveis para o ambiente e um educador da comunidade sobre os riscos para a saúde das alterações  climáticas. Que os médicos deveriam assumir, a nível individual, comportamentos com impacte na redução dos vários factores que causam o aquecimento global.

Cuidar do ambiente é cuidar da saúde, defender o direito à vida para os nossos filhos e nossa própria sobrevivência enquanto espécie. Temos pouco tempo!

Artigo de opinião de Luís Campos, Internista e Presidente do Comité de Qualidade e Assuntos Profissionais da Federação Europeia de Medicina Interna

(25/09/2020)