Tratar infeções internado em casa

Em muitos diagnósticos médicos a hospitalização domiciliária assume-se como uma alternativa viável à hospitalização convencional, com reconhecidas vantagens para os doentes, desde logo a redução das infeções hospitalares, os quadros de desorientação e as síndromes de imobilidade. Esta resposta não tem como objetivo substituir o papel indiscutível que desempenham os profissionais dos cuidados de saúde primários e os médicos assistentes, mas articular com estes quando é necessária uma resposta de caráter hospitalar que pode ser dada no domicílio, escreve Pedro Correia Azevedo, diretor clínico da Unidade de Hospitalização Domiciliária e dos Cuidados Domiciliários da CUF

Após 6 anos de experiência em Portugal a Hospitalização Domiciliária (HD) é já uma realidade sólida e estabelecida no nosso Sistema de Saúde. A organização da rede conheceu uma expansão ímpar em tempos de pandemia COVID-19 e teve impacto na resposta a esta emergência sanitária. Foi ainda evidente a organização dos vários profissionais, nomeadamente médicos, enfermeiros e farmacêuticos, em organizações de carácter científico, com destaque para o Núcleo de Estudos de Hospitalização Domiciliária da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (NEHospDom/SPMI).

Em muitos diagnósticos médicos a HD assume-se como uma alternativa viável à hospitalização convencional, com reconhecidas vantagens para os doentes, desde logo a redução das infeções hospitalares, os quadros de desorientação e as síndromes de imobilidade. Desta maneira, coloca-se o doente e a família/cuidador no centro da atuação de uma equipa clínica multidisciplinar, com enfoque na prática de uma Medicina mais humanizada.

Há também uma clara vantagem para as instituições de saúde, com a possibilidade de descongestionar algumas áreas de internamento convencional. Em acrescento, sabemos que existe uma redução global dos custos relacionados com o internamento. Aposta ganha: não existe agravamento dos resultados clínicos, há um aumento da satisfação dos doentes e profissionais, há benefícios para o sistema e o custo é inferior.

É muito importante que se diga que esta resposta não tem como objetivo substituir o papel indiscutível que desempenham os profissionais dos cuidados de saúde primários e os médicos assistentes, antes articular com estes quando é necessária uma resposta de carácter hospitalar que pode ser dada no domicílio.

O tratamento de infeções é um exemplo paradigmático da atuação das Unidades de Hospitalização Domiciliária (UHD) com um rigor e qualidade comparável àquela que se pratica no internamento convencional. Em HD podem tratar-se infeções variadas, tais como pneumonias, infeções urinárias, infeções da pele, entre outras, e tal é feito com recurso ao Tratamento Antimicrobiana Domiciliária Endovenosa (TADE).

Exemplo desta aplicação é o de uma jovem de 28 anos com uma pielonefrite aguda (infeção urinária alta) que tem de fazer antibiótico endovenoso por 7 dias mas pode fazê-lo em HD, mantendo-se no conforto da sua casa e continuando em teletrabalho. Outro exemplo é o de um senhor de 58 anos com uma espondilodiscite (infeção de um disco intervertebral) que teve de fazer antibiótico endovenoso por oito semanas, tendo sido transferido para o domicílio ao fim de duas semanas de internamento convencional, ficando em acompanhamento pela equipa de HD que além do tratamento antimicrobiano realizou a gestão de todas as comorbilidades do doente (hipertensão, diabetes e doença pulmonar obstrutiva crónica).

Nota ainda, para os inúmeros doentes que durante uma infeção aguda de COVID-19 desenvolveram uma sobreinfeção bacteriana e, após adquirida estabilidade hemodinâmica e respiratória, foi possível a continuação de terapêutica antibiótica endovenosa e reabilitação respiratória no domicílio com acompanhamento de HD. O TADE implica uma boa preparação das equipas clínicas na decisão do fármaco selecionado, mas também no enquadramento domiciliário e na formação de familiares/cuidadores perante incidentes que possam surgir.

A partilha de conhecimento, a integração com parceiros internacionais e o espírito de equipa inter-UHD têm sido muito importantes para que possamos ter hoje uma prática cimentada e consistente. É importante ter em mente que a principal condição para o estabelecimento desta modalidade de tratamento é a presença de um determinado diagnóstico de infeção sem alternativa ao tratamento oral, portanto, o doente, se não tratado por um programa TADE em HD, deve permanecer no internamento convencional.

Não raras vezes, os doentes iniciam o tratamento antimicrobiano em contexto de internamento convencional e completam em HD. Para além da possibilidade de administração endovenosa em toma única, o recurso a alguns dispositivos (bombas elastoméricas e bombas de infusão eletrónicas) permitem a administração de forma contínua ou intermitente dos antimicrobianos, sempre em articulação com o farmacêutico. Estas soluções permitem aumentar a capacidade de resposta posológica em contexto domiciliário, sem ser necessário a presença física da equipa de HD em todas as tomas do fármaco, permitindo uma clara rentabilização dos recursos físicos e humanos.

É possível afirmar que, em situações médicas elegíveis, não existe prejuízo da segurança para o doente no tratamento de infeções no domicílio e a HD está associada a um aumento global da satisfação com a experiência clínica. Possamos sempre evoluir numa Medicina eficaz, segura e mais humanizada

Artigo de Opinião de Pedro Correia Azevedo, Diretor Clínico da Unidade de Hospitalização Domiciliária e dos Cuidados Domiciliários da CUF
In  Expresso

18/03/2022