Saúde e Assistência: uma integração urgente

Luís Campos, médico internista e presidente da Comissão de Qualidade e Assuntos Profissionais da Federação Europeia de Medicina Interna, redigiu um artigo de opinião para o jornal Expresso onde defende que é urgente integrar os cuidados de saúde com a assistência social.

Leia o artigo completo abaixo: ( consultar o artigo em pdf )

Saúde e Assistência: uma integração urgente

Médico, presidente da Comissão de Qualidade da Federação Europeia de Medicina Interna

É cada vez mais difícil separar os problemas de saúde dos nossos doentes dos seus problemas sociais. Os hospitais têm sido invadidos por uma população idosa, frágil, com múltiplas doenças, muitos com algum grau de incapacidade, doentes que são os utilizadores frequentes do sistema de saúde e representam uma grande percentagem das despesas em saúde. Muitos destes doentes vivem sozinhos, muitos não têm família ou têm famílias que não querem ou não podem apoiá-los ou têm famílias que dependem das suas pensões, e cada vez mais necessitam de apoio social. Na realidade os hospitais, e particularmente os serviços de Medicina, estão transformados em centros de resolução dos problemas sociais dos nossos doentes, o que consome muita da nossa energia, já de si exaurida por uma carga assistencial elevadíssima.

Angustiamo-nos diariamente com realidades sociológicas cada vez mais dramáticas. Esbarramos diariamente na incapacidade das famílias, no cansaço dos cuidadores, na falta de resposta dos Cuidados Continuados, dos Cuidados Paliativos, da Segurança Social, da Misericórdia, do Ministério Público. Deparamo-nos diariamente com as incongruências da lei como as famílias terem o poder de decidir deixar os seus familiares nos hospitais mesmo que lhes possamos ter encontrado alternativas. Além de que ficar no hospital é gratuito enquanto os lares são pagos e as unidades de média e longa duração da Rede de Cuidados Continuados exigem co-pagamento.

O resultado é que permaneciam internados nos hospitais do SNS, depois de terem alta clínica, mais de mil doentes internados por motivos sociais ou a aguardar vaga na Rede Nacional de Cuidados Continuados, conforme mostrou um inquérito promovido este ano pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, com a colaboração da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna. Cerca de metade destes doentes estão internados em serviços de Medicina. Isto representa um dos piores exemplos de desperdício no Serviço Nacional de Saúde. Sabendo que actualmente temos cerca de 150 idosos para 100 jovens e dentro de 30 anos teremos 300 idosos para cada 100 jovens é fácil concluir que esta realidade se vai agravar de dia para dia, ameaçando a sustentabilidade dos hospitais e do próprio sistema de saúde.

Muitos países onde a saúde é planeada em função de cenários evolutivos, têm consciência da dimensão deste problema e elegeram-no como uma prioridade nacional. A Escócia, por exemplo, ao longo dos últimos dez anos, evolui para uma gestão conjunta da saúde e da assistência social. Em Portugal, em relação ao problema do crescimento desta população e desta interdependência entre os problemas de saúde e os problemas sociais persistimos numa atitude de mergulhar a cabeça na areia, não havendo qualquer articulação entre os dois ministérios e havendo mesmo uma divisão regional completamente distinta nas duas áreas.

Este é um problema complexo e como tal não tem soluções milagrosas. Este problema também não é apenas um problema do Estado, há que envolver a comunidade, associações e autarquias. Há necessidades óbvias e urgentes como seja criar unidades de retaguarda geridas pelos hospitais, investir mais em cuidados de longa duração, em residências assistidas, criar uma maior equidade regional na Rede Nacional de Cuidados Continuados, redesenhar esta rede, mudar a legislação de forma que possam ser os profissionais de saúde a gerir os recursos da saúde, criar vias rápidas para o Ministério Público, mas acima de tudo pensar de forma integrada a Saúde e a Assistência Social, sob pena de comprometermos, a breve prazo, o futuro do Serviço Nacional de Saúde.

(10/11/2018)