Os médicos, a saúde e as alterações climáticas
Enquanto médicos, é nossa obrigação ética envolvermo-nos ativamente nesta luta colectiva contra as alterações climáticas e a degradação ambiental.
O aquecimento global, causado pela emissão de gases com efeito de estufa, ameaça a sobrevivência do homem e do planeta mas, no momento presente, em conjunto com a crescente degradação do ambiente, está já a afectar a saúde de todos nós e a matar milhões de pessoas anualmente.
De que forma se está a refletir este impacte na saúde das populações? A poluição atmosférica e as temperaturas extremas aumentam as doenças cardio e cérebrovasculares, as doenças pulmonares, o cancro e também a mortalidade causada diretamente pelo calor ou frio intensos. As doenças transmitidas por vectores como sejam a malária, o dengue, Chikungunya, a febre do Vale do Rift, o vírus do oeste do Nilo, a doença de Lyme, a encefalite e as doenças transmitidas pelo hantavírus estão em expansão. As doenças relacionadas com a qualidade da água como a cólera, as infeções pelo Campilobacter, Leptospira e criptosporidium, entre outras, estão a emergir cada vez mais. A escassez de água e de alimentos agravam a fome, a malnutrição e os casos de diarreia. A degradação do ambiente e dos ecossistemas acentuam os movimentos migratórios, os conflitos e as doenças mentais. As catástrofes naturais, cada vez mais frequentes, são a causa de muitas mortes violentas.
São as populações mais vulneráveis que sofrem em primeiro lugar, como os pobres, as crianças e os idosos, mas todos nós já estamos a sofrer e ainda mais os nossos filhos. O próprio acto de respirar tornou-se um risco: a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 93% das crianças vivam em ambientes com um nível de poluição do ar acima dos máximos estabelecidos pela própria OMS e que seja causadora de cerca de sete milhões de mortes anualmente.
Enquanto médicos somos cuidadores dos doentes mas assumimo-nos também como seus advogados. É, por isso, nossa obrigação ética envolvermo-nos ativamente nesta luta colectiva contra as alterações climáticas e a degradação ambiental.
A reversão desta ameaça parece ser ainda possível mas implica uma revolução económica, em que a proteção ambiental se sobreponha à lógica do lucro, e implica também profundas mudanças comportamentais na vida de cada um de nós e das sociedades em que vivemos.
A OMS e várias sociedades científicas, noutros países, já apelaram a este envolvimento. Em Portugal, em 2017, a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna foi a primeira sociedade médica a tomar posição sobre este assunto. É este apelo que urge renovar:
Que cada médico se torne um agente ativo na defesa de práticas sustentáveis para o ambiente e na divulgação dos riscos para a saúde das alterações climáticas e da degradação ambiental.
Que no sector da saúde sejam adotadas medidas que o tornem um exemplo de compromisso com a proteção do ambiente e sejam adoptadas estratégias eficazes de resposta às consequências do aquecimento global que já se fazem sentir.
Que as questões das alterações climáticas e a sua repercussão na saúde sejam introduzidas na formação pré e pós graduada dos médicos.
Que cada médico assuma, a nível individual, comportamentos com impacte na redução dos vários factores que causam o aquecimento global, como sejam: privilegiar as deslocações a pé, de bicicleta, de transportes públicos ou em carros eléctricos, reduzir o consumo de energia em casa e no trabalho, reduzir o desperdício e o lixo, reutilizar e reciclar, usar a água de forma eficiente, reduzir a carne na alimentação e consumir peixe que resulte de pesca sustentável, comer alimentos sazonais e substituir o plástico por matérias degradáveis.
Como alertou António Guterres, “as alterações climáticas estão a avançar mais rápido do que nós”. Todos temos que ser Greta
Artigo de opinião de Luís Campos, Internista e Presidente da Comissão de Qualidade e Assuntos Profissionais da Federação Europeia de Medicina Interna, no Jornal Público.
(13/01/2020)