Hepatites – Vamos descomplicar!

O dia 28 de julho assinala, anualmente, o Dia Mundial de Luta Contra as Hepatites Virais, iniciativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), em colaboração com outras associações internacionais, para aumentar a consciencialização sobre as hepatites virais, que continuam a ser um importante problema de saúde pública e sensibilizar a população em geral e os profissionais de saúde, para a importância da prevenção, rastreio, diagnóstico e tratamento precoces, para evitar complicações de doença crónica e avançada, nomeadamente o cancro do fígado.

O lema para 2025 — Hepatitis: Let’s Break It Down” – realça a necessidade de agir rapidamente para ultrapassar as barreiras que dificultam a sua eliminação – financeiras, sociais e sistémicas – incluindo o estigma da doença!

A hepatite A e E, partilham a via de transmissão (fecal-oral) e são habitualmente autolimitadas, sem evolução para cronicidade. O padrão epidemiológico da hepatite A tem vindo a alterar-se no nosso país – no passado era frequente em idade precoce, fruto de condições sociais e higieno-sanitárias precárias, atualmente verifica-se a ocorrência esporádica de surtos, cerca de meia centena de casos no primeiro semestre deste ano, alguns com ligação a práticas sexuais de risco. É importante promover a vacinação de grupos de risco e a adoção/reforço de medidas de prevenção e controlo. A hepatite E pode ter apresentação mais grave em grávidas, doentes com doença hepática avançada e evoluir para cronicidade em doentes imunocomprometidos. Para além da transmissão fecal-oral, salienta-se a transmissão relacionada com a ingestão de carne crua ou malcozinhada (porco, javali, veado) ou o contacto direto com as suas fezes, sangue e vísceras, por vezes associada ao surgimento de alguns casos de exposição profissional ou recreativa, motivo pelo qual deve ser excluída quando existe um contexto epidemiológico sugestivo.

As hepatites B e C podem evoluir para doença crónica e a transmissão é, habitualmente, por contacto com sangue ou fluídos corporais de pessoas infetadas. A OMS definiu metas globais para a sua eliminação até 2030 – redução de novas infeções em 90% e redução da mortalidade associada em 65%, apelando a que cada país desenvolvesse os seus próprios planos de ação. Portugal é um dos países da Europa que atingiu a meta de cobertura vacinal de 95% com três doses da vacina para o vírus da hepatite B, estratégia mais eficaz para a prevenção do aparecimento de novos casos. Destaca-se uma tendência crescente no número de testes de rastreio de hepatite B e C, realizados em vários contextos, no nosso país e a importância de múltiplas iniciativas de microeliminação que têm conseguido chegar a populações de mais difícil acesso. Salienta-se o número de doentes tratados para a hepatite C, com elevadas taxas de cura (superiores a 97%). Apesar disso, continua a existir uma percentagem significativa de doentes tratados em fases avançadas da doença, com fibrose avançada/ cirrose aquando do início do tratamento (superior a 30%), o que vem reforçar a importância de apostar em estratégias que permitam o diagnóstico mais precoce. Apesar da transmissão por via sexual ser menos frequente, tem-se assistido a uma mudança epidemiológica, reconhecendo-se um maior número de casos associados a algumas práticas sexuais, como por exemplo ChemSex em que as taxas de infeção de hepatite C e outras doenças sexualmente transmissíveis são significativamente superiores.

A hepatite D ou Delta, aparece exclusivamente em pessoas que têm hepatite B e é considerada a forma mais grave e rapidamente progressiva de hepatite viral crónica, com um risco muito superior de cirrose e cancro do fígado. Felizmente dispomos de tratamento eficaz, recentemente aprovado pelo Infarmed, que vem alterar o paradigma da doença.

Apesar de preveníveis e tratáveis, as hepatites B e C são ainda responsáveis por 8.000 novas infeções diárias, com elevada morbimortalidade associada. Portugal encontra-se numa situação muito favorável, no que diz respeito às hepatites virais, mas se pensarmos no mundo como um espaço com livre circulação de pessoas, esta realidade pode estar em risco, já que estes resultados não são globais, existem grandes assimetrias regionais e não dispomos, ainda, de orientações específicas para testagem de migrantes de países com alta endemicidade de hepatites B ou C. Tendo em conta a evolução epidemiológica, deverá ser equacionado o alargamento dos grupos de risco e populações vulneráveis elegíveis para vacinação das hepatites A e B,  preferencialmente assegurada pelo Serviço Nacional de Saúde. Vamos descomplicar.

 

Cristiana Batouxas – Núcleo de Estudo das Doenças do Fígado da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI)

(25/07/2025)