Burnout e o papel da Medicina Interna nos Serviços de Urgência em destaque no 3.º Congresso Nacional de Urgência

O estado de exaustão a que muitos médicos chegam como consequência do seu trabalho, nomeadamente em ambiente de Urgência, foi um dos temas do 3.º Congresso Nacional de Urgência, que decorreu este fim de semana em Coimbra, na Fundação Bissaya Barreto.

Burnout e o papel da Medicina Interna nos Serviços de Urgência em destaque no 3.º Congresso Nacional de Urgência

O estado de exaustão a que muitos médicos chegam como consequência do seu trabalho, nomeadamente em ambiente de Urgência, foi um dos temas do 3.º Congresso Nacional de Urgência, que decorreu este fim de semana em Coimbra, na Fundação Bissaya Barreto.

João Porto, presidente do congresso, reconheceu que este foi o tema que mais empolgou os participantes, talvez por reconhecerem que a questão da exaustão no ambiente de urgência é uma realidade cada vez mais premente.

Outro tema que o internista do Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra destacou foi o papel da Medicina Interna na liderança das equipas de urgência, afirmando que essa posição é o consolidar de uma realidade que já existe.

“Na maior parte dos serviços de urgência do nosso país, os médicos de medicina interna são os mais presentes. As outras especialidades foram-se especializando e a pouco e pouco afastando um pouco da urgência. Por isso, é natural que seja a nossa especialidade a assumir a liderança dessas equipas.”

Relativamente a um balanço deste terceiro congresso organizado pelo Núcleo de Estudos de Urgência e do Doente Agudo da SPMI, João Porto destacou o número recorde de participantes, 360, e a realização dos sete cursos de pré-congresso, todos eles lotados.

O burnout associado à urgência

João Redondo, psicólogo que lida de perto com este problema no CHUC, mostrou os dados disponíveis e confirmou que são múltiplos os fatores de risco que derivam no burnout.

“Há uma multiplicidade de fatores de risco que derivam no burnout e por isso estamos a ir mais longe: estamos a fazer um estudo sobre fatores de risco psicossociais com o objetivo de identificar os fatores de risco que existem nas organizações, o que permitirá sinalizar e prevenir o burnout e outras problemáticas que criam desgaste e tensão aos profissionais.”

Isabel Antunes, também do CHUC, abordou precisamente na sua palestra as formas de evitar o burnout e realçou que se trata de um fenómeno para o qual os médicos devem estar alerta, devendo começar por reconhecer que existe dentro da classe.

“O burnout não é um fenómeno recente. Existe e tem-se agravado face à conjuntura social e organizacional. Felizmente, pela primeira vez, começamos a achar que é um tema permanente e assumimos que ele existe. Por isso criámos consultas de acompanhamento para dar resposta a estes problemas. Os médicos têm recorrido a esta ajuda e se inicialmente havia algum pudor em assumir que estavam nesta situação, atualmente a procura tem vindo a crescer.”

A Medicina Interna na liderança nas equipas de urgência e emergência

Outro tema muito participado deste terceiro evento organizado pelo Núcleo de Estudos de Urgência e do Doente Agudo da SPMI foi o papel de liderança da Medicina Interna nas equipas de Urgência e Emergência.

Nesta conferência,  António Martins Baptista, do Hospital Beatriz Ângelo, assumiu que os cuidados aos doentes se têm degradado nos últimos anos e que é a Medicina Interna que tem assumido o papel de liderança nas urgências, sublinhando que o “internista é cada vez mais o gestor do doente, não só nos serviços médicos mas também, e cada vez mais, nos serviços cirúrgicos”.

“O doente é cada vez mais idoso, tem cada vez mais polipatologias e precisa cada vez mais de alguém que junte as peças todas, que o trate como um todo”, salientou, adiantando que estamos neste momento numa trajetória descendente de qualidade nos cuidados de saúde, resultado de cortes orçamentais que foram impostos, mas também como resultado de escolhas estratégicas.

“Nos hospitais há ainda que trabalhar para que os doentes, sobretudo os doentes crónicos, deixem de ir sucessivamente à urgência. Para isso é necessário que lhes sejam criados serviços de atendimento alternativo, pois atualmente apenas acedem aos cuidados de saúde via urgência”, terminou.

Encarregue de dar uma perspetiva júnior desta questão, Luísa Guimarães, do Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde, num relato de uma especialista jovem mas que já lidera uma equipa, reconheceu que a Urgência é um serviço “complexo, com muito trabalho e muito stress” mas que a capacidade de gestão pode aliviar esse peso.

“Se tivermos alguém na liderança que seja apaziguador, que faça a gestão de conflitos, conseguimos ser muito mais operacionais e trabalhar muito melhor. Se tivermos um líder que consegue gerir conflitos vai facilitar a vida a quem está num nível operacional”, afirmou a internista, que assumiu que ser nova pode acarretar constrangimentos face às pessoas que trabalham no serviço de urgência e que são mais velhas.

“Acho que depende de mim demonstrar capacidade de liderança, e acredito que se formos melhor uns com os outros seremos melhores a atender os doentes. É uma verdade de gestão absoluta”, finalizou.

Uma visão sobre os serviços de urgência em Portugal

Também o presidente da SPMI analisou a realidade dos serviços de Urgência em Portugal para dizer que o maior problema continua a ser o excessivo recurso às urgências hospitalares, sendo o país europeu onde este problema é mais grave.

“Sete em cada dez portugueses acede por ano ao serviço de urgência. Afrontar este problema exige um pensamento sistémico e uma atuação em várias vertentes, desde a necessidade de dotar os cuidados primários de maior capacidade resolutiva, à educação da população, assim como ter nos serviços de urgência pessoas com experiência e capacidade de decisão”, realçou Luís Campos, garantindo que nesta equação a Medicina Interna tem um papel decisivo e que é também necessário “aumentar a capacidade no internamento, com mais camas, gestão comum de vagas e resolução do problema dos doentes que permanecem internados por motivos sociais”.

O presidente da SPMI deixou ainda uma palavra para os doentes crónicos, lembrando que é preciso retirá-los das urgências, “onde têm sido tratados de uma forma episódica, fragmentada e descontinuada através do serviço de urgência”. 

Doente agudo: a encruzilhada dos deveres médicos

No tema que abriu o congresso, a Professora Maria do Céu Patrão Neves abordou o dilema em que vivem os médicos atualmente, divididos entre as exigências cada vez maiores que se lhes colocam e a também cada vez mais extensa lista de deveres que têm a seu cargo.

“O médico tem deveres em relação ao seu doente, em relação aos acompanhantes, em relação aos profissionais de saúde, em relação à instituição onde trabalha e à sociedade. E gerir todos estes deveres em situações de emergência, e mesmo quando todos eles podem entrar em conflito, é um grande desafio que requer reflexão”, assumiu a especialista, que sublinhou que fazê-lo fora de uma situação de emergência vai ajudar a que o médico quando estiver imerso nessa realidade consiga satisfazer a maior parte dos seus deveres, mesmo que tenha de os hierarquizar.

“O fundamental é sempre o paciente e gerir este cenário é um desafio constante para cada um. Mas acredito que enquanto o médico estiver preocupado em melhorar vai sempre consegui-lo”, terminou.