Alternativas ao internamento, eutanásia e medicina de precisão estiveram em destaque ontem no CNMI

Como é habitual, o 24.º Congresso Nacional de Medicina Interna (CNMI) abriu portas à ciência, mas também a temas que têm marcado a agenda da saúde.

No primeiro dia de sessões científicas, o CNMI teve uma mesa redonda dedicada ao tema “Alternativas ao internamento convencional”, moderada por Xavier Corbella, Secretário Geral da European Federation of Internal Medicine (EFIM) e que deu a conhecer as experiências desenvolvidas no Hospital Garcia de Orta, com um projeto de hospitalização domiciliária, e na ULS do Litoral Alentejano.

Xavier Corbella, Secretário Geral da EFIM

O internista espanhol lembrou que as limitações ao internamento são um problema da maioria dos sistemas de saúde públicos e que deriva do aumento do número de pacientes com multimorbilidades e cronicidade.

“Numa situação de limitação dos recursos económicos como a que vivemos é importante evitar as hospitalizações desnecessárias. E hoje temos muito dispositivos que nos permitem evitá-las: a telemedicina, os hospitais de dia, a hospitalização ao domicilio, as unidades de curta distância, entre outras”, enumerou Xavier Corbella, salientando que são recursos que certamente crescerão na maioria dos países.

Ainda segundo o Secretário Geral da EFIM, Portugal e Espanha são líderes europeus em promover este tipo de iniciativas, “talvez pelos efeitos da crise e pela quantidade de doentes crónicos”, sublinhando que os dois países “podem certamente liderar a mudança com recurso a estas vias alternativas”.

“A dignidade humana é muito importante”

Guilherme Oliveira Martins, antigo ministro das Finanças e da Educação, e antigo presidente do Tribunal de Contas, foi o convidado para uma conferência subordinada ao tema “Questões éticas em fim de vida”. Talvez pela atualidade do tema, numa semana em que a despenalização da eutanásia foi levada a votação no Parlamento, o auditório encheu-se para ouvir o humanista defender que o mais importante de toda a discussão dos últimos dias é o direito que todos temos à vida e a tê-la com saúde.

José Augusto Barata, Guilherme Oliveira Martins e Estevão de Pape

“Temos de compreender que os extraordinários avanços que temos tido e vamos continuar a ter, curando ou tornando crónicas doenças até há pouco tempo incuráveis, significam algo de muito exigente, uma vez que surgem problemas novos. Nas sociedades envelhecidas fala-se na eutanásia, mas em sociedades menos desenvolvidas mas mais jovens, o que as pessoas desejam é que as façam viver.”

O antigo ministro relembrou que a dignidade humana é muito importante e central em todo o debate, assim como a relação humana.

“Não podemos ser indiferentes relativamente àqueles que estão ao nosso lado. E este não é apenas um problema de médicos, mas de todos quantos têm de lidar com estes casos, pois uma sociedade envelhecida precisa cada vez mais de cuidadores. Há um conjunto de responsabilidade que a sociedade como um todo deve assumir. Temos de ter exigência no sentido de dar resposta de cuidados para aqueles que nos pedem que lhes aliviemos a dor”, terminou.

Medicina de Precisão e o futuro

Numa das últimas sessões do dia, Francisco Araújo abordou o tema da Medicina de Precisão, dando a conhecer o novo espetro de possibilidades que este conceito possibilita, mas também os desafios que a ela estão associados.

O co coordenador do serviço de Medicina Interna do Hospital Beatriz Ângelo realçou que a assinatura genética de cada indivíduo possibilita que se escolha a terapêutica mais eficaz para cada doente e se mitiguem os efeitos secundários, mesmo já na área cardiovascular ou da diabetes.

Francisco Araújo

Francisco Araújo explicou que a genética é um dos pilares deste conceito, que permite a simplificação de técnicas de diagnóstico e tratamento, mas que é também a partir deste campo que se levantam as principais dúvidas e dilemas quanto a este admirável Mundo Novo, pois a ela está associada a questão da privacidade dos dados da esfera pessoal.

O especialista abordou ainda a necessidade gigantesca de armazenamento de dados que esta tecnologia comporta, destacando que estes possibilitam estudar populações e aspetos nunca antes analisados, com vantagens incalculáveis. Ainda assim, ressalvou: “Como é que isto vai ser feito? Quem vai pagá-lo? Tenho hoje mais dúvidas do que certezas… é muita informação e não sei o que podemos fazer a esta onda de dados”.

A terminar, o internista resumiu que a Medicina de Precisão veio para ficar e que é necessário que possamos evoluir com as suas virtudes.

“Mesmo que tenhamos de dar um passo atrás, isso muitas vezes significa dois à frente”, concluiu.

(02/06/18)