Uma homenagem ao pioneirismo clínico e à colaboração científica nacional

A escolha do dia 20 de maio para assinalar o Dia Internacional da Doença de Behçet está intimamente ligada ao nascimento do Dr. Hulûsi Behçet, dermatologista turco que, em 1937, descreveu pela primeira vez a tríade de sintomas hoje reconhecida como característica desta entidade clínica: úlceras orais, úlceras genitais e inflamação ocular [1].

Na sua publicação original, Behçet sugeria tratar-se de uma doença infecciosa de origem viral, apoiando-se na distribuição geográfica dos casos — mais comum ao longo da chamada “Rota da Seda” — e sugerindo uma possível relação com factores ambientais ou infeciosos, então prevalentes nessas regiões.

Hoje sabemos que a Doença de Behçet (DB) resulta de uma resposta auto-inflamatória em indivíduos geneticamente predispostos, com destaque para o envolvimento do HLA-B51 e de outras interacções genéticas que contribuem para o desequilíbrio da imunidade inata. Contudo, reconhece-se que factores infeciosos (como certas bactérias ou vírus) podem actuar como desencadeantes em pessoas susceptíveis — o que, curiosamente, dá alguma validade à intuição original de H. Behçet, embora não como causa directa, mas como elemento precipitante.

Consciencialização global, memória nacional

Com o apoio de organizações como a American Behcet’s Disease Association (ABDA) e a Behçet’s UK, esta data tem sido usada para promover eventos dirigidos aos doentesiniciativas de consciencialização pública e campanhas de incentivo ao diagnóstico precoce.

Em Portugal, importa recordar o contributo da nossa especialidade para o conhecimento da doença. Em 1997, foi publicado na nossa revista Medicina Interna o primeiro levantamento nacional sobre esta patologia [2].

Este estudo resultou do primeiro grupo de investigação colaborativa dinamizado pelo então recém-formado NEDAI da SPMI, através da criação do Grupo Nacional para o Estudo da Doença de Behçet.

Uma rede nacional de colaboração multidisciplinar

Liderado pela Medicina Interna, participaram neste levantamento 16 centros hospitalares portugueses, distribuídos por todas as regiões do país, e reunindo especialistas de Medicina Interna, Oftalmologia, Dermatologia e Reumatologia. Esta multidisciplinaridade contribuiu de forma decisiva para a partilha de conhecimento, para a consolidação de experiências clínicas e para a estruturação de uma rede de proximidade entre especialistas.

Desta colaboração resultaram trabalhos adicionais, entre os quais se destaca a partilha de doentes e de casos-controlo, que viriam a integrar os estudos internacionais para a formulação dos actuais critérios diagnósticos da DB – os ICBD (International Criteria for Behçet’s Disease) [3].

Uma data para informar, lembrar e agradecer

Assinalar o Dia Internacional da Doença de Behçet é, também, reconhecer o esforço contínuo da comunidade médica portuguesa e da Medicina Interna em particular, no estudo das doenças raras e autoimunes. É celebrar a ciência colaborativa, a visão clínica e o compromisso com os doentes.

 

Bibliografia:

  1. Behçet H. Über rezidivierende, aphtöse, durch ein Virus verursachte Geschwüre am Mund, am Auge und an den Genitalien. Dermatol Wochenschr (Sobre úlceras recorrentes, aftosas, causadas por um vírus na boca, nos olhos e nos genitais). 1937;105:1152–1157.
  2. Crespo J., em nome do  Grupo Nacional para o Estudo da DB. Doença de Behçet – Casuística Nacional. Medicina Interna. 1997;4(4):225–232.
  3. International Team for the Revision of the International Criteria for Behçet’s Disease (ITR-ICBD). The International Criteria for Behçet’s Disease (ICBD): a collaborative study of 27 countries on the sensitivity and specificity of the new criteria. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2014 Mar;28(3):338–347.

 

Dr. Jorge Crespo – Núcleo de Estudo de Doenças Auto-imunes da SPMI

(19/05/2025)