Dia Internacional do Idoso: contra o estigma e estereótipos

Sofia Duque

Enquanto Coordenadora do Núcleo de Estudos de Geriatria da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, é já tradição ser abordada no final do mês de setembro para partilhar um ponto de vista sobre o Dia Internacional das Pessoas Idosas que se assinala no dia 1 de outubro. Em 2023, pelo 33º ano consecutivo! Não obstante, muito há ainda a dizer e fazer pelas pessoas mais velhas. De facto, se é verdade que o ser humano conseguiu aumentar a idade biológica que se atinge, muito frequentemente os anos que se ganham não se acompanham de qualidade de vida e manutenção da autonomia. Muitas pessoas idosas acabam por ser institucionalizadas contra as suas aspirações.

Este ano comemora-se também o 75º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o nosso compatriota António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas, na sua mensagem a propósito do Dia Internacional das Pessoas Idosas refere que “Para concretizar a promessa da Declaração, devemos fazer mais para proteger a dignidade e os direitos das pessoas idosas”.

Se o ano passado a minha reflexão fazia alusão à maior vulnerabilidade e falta de proteção das mulheres mais velhas, este ano debruço-me sobre um problema transversal a mulheres e homens: a discriminação negativa pela idade. O idadismo ou velhicismo, possíveis traduções de Ageism, pode ter várias consequências negativas, destacando-se: de natureza psicológica – a baixa autoestima, depressão e ansiedade; redução do acesso a cuidados de saúde e da motivação dos próprios para a adoção de estilos de vida saudáveis, face à crença falsa de que a deterioração funcional e cognitiva são consequências inevitáveis do envelhecimento; isolamento social e solidão;  tensão nas dinâmicas familiares, sendo frequentemente afastada a pessoa mais velha da tomada de decisões, mesmo quando estas lhe dizem diretamente respeito; perda de autonomia, na esfera familiar e social; políticas sociais e de saúde desfavoráveis; desvalorização das capacidades das pessoas mais velhas e falta de oportunidades. Tudo isto, naturalmente, repercute-se na qualidade de vida e bem estar. Combater o idadismo é essencial para criar uma sociedade mais inclusiva e equitativa, onde as pessoas de todas as idades sejam valorizadas, respeitadas e tenham a oportunidade de viver as suas vidas de forma plena.

O idadismo pode manifestar-se em vários aspetos da nossa vida, nos cuidados de saúde e até na linguagem verbal e nos símbolos que usamos para representar a pessoa mais velha. Dedicando-me na minha prática clínica às pessoas idosas há mais de 15 anos, muitas vezes observo a reação das pessoas mais velhas a discursos mais paternalistas e infantilizantes dos profissionais de saúde; o descontentamento das pessoas mais velhas é comum e o conteúdo do discurso torna-se irrelevante e inconsequente, perdendo-se oportunidades de melhorar a saúde e bem estar da pessoa mais velha. Existem campanhas internacionais que denunciam que as pessoas mais velhas não gostam de ser chamadas de “avó/ô”, “avozinha/o”, na primeira pessoa ou pelo nome próprio quando o seu interlocutor não é alguém da sua esfera pessoal…

Muito tenho pensado que a nossa linguagem pode ser estigmatizante para as pessoas mais velhas a que nos dedicamos. E começa logo com a expressão como designamos as pessoas mais velhas… O termo “idoso”, traduzido para “elderly” em inglês, é já obsoleto nas publicações científicas anglosaxónicas especializadas em Geriatria e Gerontologia; em alternativa fala-se de “older adults / persons / patients”. Em Espanha, de forma muito feliz, utiliza-se frequentemente a expressão “mayor” que facilmente nos transporta para a aquisição de experiência e sabedoria com o aumento da idade cronológica. Ser maior é algo significativo! E em Português? Há uns tempos ouvi alguém dizer que não apreciava a palavra “idoso”. Tenho observado de forma mais atenta a reação das pessoas quando ecoa esta palavra e pressinto que de facto não gostam e se sentem discriminadas e restringidas só de a ouvir. Assim sendo, empenhemo-nos em perceber como querem as pessoas mais velhas ser consideradas: idosos? pessoas idosas? velhos? pessoas mais velhas? adultos mais velhos? séniores? Ou, quiçá pertinentemente, a compartimentação deste grupo etário é por si só discriminatória?

Podemos pensar que mais importante que a linguagem são as atitudes, mas no mundo simbólico em que vivemos a sua separação é impossível. Contrariemos então estereótipos e escutemos quem de direito!

Sofia Duque – Coordenadora do Núcleo de Estudos de Geriatria da SPMI

(01/10/2023)