A Medicina Interna no Tratamento dos Doentes Covid e não Covid

Conclusões da recolha de dados de um dia na 1ª e na 2ª vaga

A Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), realizou dois inquéritos aos doentes internados com Covid-19, dirigidos aos Diretores dos Serviços de Medicina Interna, nos dias 29 de Abril e 18 de Novembro de 2020. No primeiro, contou com 63 respostas de hospitais-covid-19, o que corresponde a 74% do total dos Serviços de Medicina Interna do País. No inquérito de 18 de Novembro, a participação foi um pouco menor, mas ainda assim muito significativa (54 Serviços respondedores, 64% dos 85 Hospitais Covid). A conclusão mais evidente nos dois inquéritos, é que a Medicina Interna (MI) revelou ser uma especialidade-chave na a rutura do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Mas, ao mesmo tempo, ao contrário de todas as outras especialidades, que reduziram imenso a sua atividade, a Medicina Interna tinha em tratamento cerca de 90% dos seus doentes habituais, não infetados pela covid-19. Ficamos convencidos de que o facto de Portugal ter a MI como a especialidade base do sistema de saúde no hospital (14% do total dos especialistas hospitalares), contribuiu para Portugal ter uma resposta rápida, organizada e competente. Em 28 de Abril,  foram contabilizados 327 especialistas e 248 internos de MI (total de 575), em  dedicação exclusiva ao tratamento dos doentes covid, nas enfermarias e nas unidades de Cuidados Intensivos. Os números obtidos a 18 de Novembro são semelhantes, atendendo á menor percentagem de Serviços participantes (701 Especialistas e Internos de MI). Em 65% das unidades-covid, os Internistas trabalharam em conjunto com outros especialistas, enquanto em 35% a gestão clínica foi integralmente assegurada por eles. Os serviços de MI asseguraram ainda o tratamento, em simultâneo, a 3157 doentes sem infeção covid-19, o que corresponde a cerca de 90% dos que doentes habitualmente tratados (similar aos 2653 doentes não covid da 2ª vaga). Nos hospitais, a 28 de Abril,  o número de camas de enfermaria-covid disponíveis era de 1963, verificando-se uma taxa de ocupação de 48,8%. A situação é muito diferente a 18 de Novembro, em que apesar do menor número de Serviços respondedores (54), o número de camas covid é maior (2241) e, apesar disso, a taxa de ocupação é preocupante (83,3%). Também se verifica que a taxa de ocupação nos Cuidados Intensivos para doentes covid-19, era de 31,6%, no dia 29 de Abril, subindo para 69,9% a 18 de Novembro. A pandemia veio demonstrar, à exaustão, que é necessário ter um SNS estruturado, não subfinanciado ou reduzido. Tornou-se também uma evidência durante a pandemia, que o tratamento hospitalar tem de ser reservado aos casos mais graves e que os Cuidados Primários não podem deixar de assumir os doentes covid-19 positivos, assintomáticos ou com sintomas ligeiros.

Na 2ª vaga, tivemos várias semanas com mais de 6000 novos casos diagnosticados por dia, mas o número de internamentos em enfermaria nunca foi além dos 3200 e nos Cuidados Intensivos rondou os 500. Isto, permitiu manter uma parte significativa dos cuidados prestados aos doentes não covid, que, ao contrário da 1ª vaga, continuaram a afluir ás urgências hospitalares. No inquérito de 18/11/20, 72% dos Diretores de Serviço consideraram que a teleconsulta apenas substituía uma minoria das consultas externas de Medicina Interna. Por outro lado, os doentes não covid mantiveram-se no espaço físico do Serviço de MI em 36% dos hospitais, ficaram dispersos por vários serviços noutros 36% e ocuparam em conjunto outros serviços hospitalares em 28%. É evidente que, com a redução dos meios humanos para tratamento destes doentes, a situação é ainda mais difícil, com a sua dispersão pelo hospital!

Por João Araújo Correia

(04/01/2021)