Hospitalização Domiciliária – olhar dos 10 anos passados para o futuro
A Hospitalização Domiciliária tem mais que provas dadas nestes 10 anos de existência em Portugal, e chega agora o momento de olhar para o percurso feito e planear o futuro. Ou pelo menos, assentar e tentar refletir sobre que passos podem agora ser dados para que o que já fazemos possa ter contornos mais eficazes, mais abrangentes, com mais qualidade. Embora cada unidade possa e deva, obviamente, traçar os seus próprios pontos nos respetivos planos de ação, há alguns aspetos que devem ser objetivos comuns, e que sem dúvida estarão no caminho desta melhoria.
Um deles é a Certificação: o processo que nos confirma que uma entidade externa garante a qualidade de um serviço, após um trabalho profundo de melhoramento de processos e de otimização de circuitos. Apesar de ser um procedimento moroso e pesado, sem dúvida é o que nos leva a um ponto mais alto, garantidamente de qualidade, obrigando a cumprir standards definidos como aqueles que trarão mais qualidade ao trabalho prestado nas suas várias vertentes de gestão, processo assistencial e circuitos, entre outras.
Um outro passo, que pode ser posterior, mas já alcançado por algumas equipas mesmo antes da Certificação, é o CRI – Centro de Responsabilidade Integrada. Este garante uma gestão autónoma, facilitando a cativação de profissionais de saúde através da melhoria das condições de trabalho e incentivos individuais e em equipa, e melhorando a gestão de recursos humanos e a eficiência da estrutura.
A transformação digital é outro alvo que deve estar na mira – o século em que vivemos assim o obriga, ou para ela nos leva naturalmente. Há várias áreas a trabalhar, quer na componente assistencial, com as videochamadas/ videoconsultas; quer na telemonitorização com os parâmetros adaptados a cada situação clínica e devida responsabilização e envolvimento dos doentes e famílias. Permitirá eventualmente reduzir visitas físicas da equipa, reduzir papel e contribuir para o componente da sustentabilidade. Quem sabe o recurso a assistentes virtuais que também contribuam em termos de tempo e ciência para a melhor gestão dos doentes e da equipa. A tecnologia tem mostrado um sem fim de opções, maioritariamente para o doente crónico, mas que podem ser adaptadas em contexto de HD e servir os propósitos do nosso trabalho.
Também o maior envolvimento de outras especialidades deve ser pensado. Seja para o processo de referenciação ou de apoio, mas principalmente com evolução para as UHDs pediátricas, cirúrgicas, oncológicas, de saúde mental. A cativação dos colegas para apoio às equipas já existentes pode ser um ponto de partida para este caminho. Este tema leva-nos também à reflexão da HD como um potencial “chapéu maior”, envolvendo cuidados domiciliários e um verdadeiro Hospital em Casa, com as suas várias vertentes, para além do internamento. Será um conceito diferente de UHD, mas os modelos híbridos já estão a ser pensados, e quem sabe podem ser um complemento importante num futuro que caminha para o melhor acesso de todos. Futuro mais longínquo do que provavelmente as outras sugestões aqui apresentadas, mas que pode ser pensado.
Falar em autoadministração, apesar de polémico em determinados meios, pode ser também olhar para o futuro, novamente no âmbito do envolvimento e responsabilização dos doentes e famílias, e também na otimização das visitas presenciais da equipa em casos selecionados. A literacia em saúde que as HDs promovem nas casas dos doentes envolve aspetos teóricos e práticos, e o ensino para a administração de determinadas terapêuticas pode ser útil e eficiente.
Outro aspeto que deve ser equacionado é o dos cuidadores informais. As HDs podem ser empurrão e base para a formação de elementos que possam ser facilitadores nas situações em que a não admissão é por ausência de cuidador, ou naquelas em que o apoio familiar não é suficiente para garantir qualidade e segurança, evitando situações de exaustão nestes processos tão complexos que envolvem o “cuidar”. Apesar de ser muito mais profundo do que o papel que terão no momento da HD, a sua formação deve ser pensada para um papel maior na sociedade de hoje, em pirâmide invertida, em que cada vez mais os recursos para apoio na sociedade e ambulatório são cada vez mais difíceis de obter em tempo útil e com resposta suficiente para todos os que dela necessitam.
A equidade não deve ser esquecida nestes planos de futuro, embora com alguma dificuldade em traçar o “como”. trabalhar no sentido de uma maior abrangência das HDs em termos de número de doentes/ camas, mas também de área coberta. Os locais mais distantes dos grandes centros urbanos estão hoje fora desta modalidade de internamento, e mesmo hoje nem todos os hospitais conseguem cobrir toda a sua área de influência. É fundamental melhorar a igualdade de acesso à hospitalização domiciliária.
Muitos outros pontos podem e devem ser trabalhados desde já, porque o futuro está aqui e chegou a hora de refletir.
Vitória Cunha – Medicina Interna; Coordenadora da Unidade de Hospitalização Domiciliária da Unidade Local de Saúde Almada-Seixal/ Hospital Garcia de Orta
Este artigo foi publicado na CNN Portugal
(31/12/2025)




