É urgente voltar a priorizar programas de erradicação das hepatites
Todos os anos, a 28 de julho, celebra-se o Dia Mundial das Hepatites, data em que pessoas e organizações de todo o mundo unem esforços para sensibilizar a população e os decisores políticos para a importância destas doenças.
As hepatites víricas são condições inflamatórias do fígado provocadas pelos vários vírus da hepatite (A, B, C, D e E), inspirando maior preocupação as formas crónicas da hepatite B e C, embora atualmente disponhamos de tratamentos eficazes.
Uma vez que a infeção crónica é assintomática muitos doentes desconhecem que têm esta patologia e não procuram ajuda atempadamente, o que pode levar ao desenvolvimento de cirrose e cancro hepático. Este problema adquire especial gravidade na Hepatite C. Se para a hepatite B existe vacinação, há muito incluída no Plano Nacional de Vacinação, para a hepatite C resta a evicção dos comportamentos de risco para a transmissão da infeção e a identificação dos doentes por testagem e seu subsequente tratamento.
Em 2016 a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou as primeiras orientações com vista à eliminação das hepatites víricas como problema de saúde pública até 2030. Estas orientações incluíam quer medidas preventivas, como a administração da vacina da hepatite B às crianças e a segurança na administração de hemoderivados e injetáveis, quer a testagem e tratamento das hepatites B e C. Mas esta é uma matéria em constante atualização e a OMS já em junho de 2021 emitiu novas orientações que tendem a promover a normalização das abordagens de saúde pública para a eliminação da hepatite viral, reconhecendo a importância do contexto nacional das hepatites B e C.
O nosso país tem conseguido chegar aos grupos populacionais com maior prevalência da infeção, nomeadamente aos consumidores de drogas, aos trabalhadores do sexo, aos sem abrigo e aos imigrantes. Contamos, desde há muito, com a ajuda de várias associações que, através de uma abordagem de proximidade, intervêm ao nível da prevenção, diagnóstico e tratamento da doença. Esta prática alimentou um novo modelo de prestação de cuidados de saúde através da deslocação dos profissionais de saúde, como a que já ocorre em inúmeros estabelecimentos prisionais.
Desde 2015, ano em que se iniciou o tratamento da hepatite C com antivirais de ação direta no nosso país, já foram autorizados mais de 28.000 tratamentos dos quais mais de 27.000 doentes já o iniciaram. A taxa de cura desta infeção persiste em valores elevados na ordem dos 97 %.
No entanto a erradicação da doença é uma meta ambiciosa e a presente pandemia veio adicionar ainda mais constrangimentos à sua concretização. Um estudo recente mostrou que 1 ano de atraso no diagnóstico e tratamento pode resultar num acréscimo de 44.800 cancros do fígado e 72300 mortes por hepatite C a nível mundial até 2030. Os tratamentos para Hepatite C caíram, mesmo nos países desenvolvidos.
Em Portugal ocorreram menos 2806 pedidos de tratamento em 2020 comparativamente a 2019, o que corresponde a uma redução de 62,5 %! Para mitigar o impacto da pandemia nos programas das hepatites virais e reduzir o excesso de mortalidade devido ao atraso nos tratamentos os decisores políticos devem priorizar estes programas logo que seja seguro fazê-lo.
Numa altura em que pretendemos virar a página da pandemia COVID19 devemos reforçar o rastreio, realizando-o de forma mais sistemática e organizada para atingir o maior número possível de indivíduos no mais curto espaço de tempo. Também de importância extrema é o tratamento atempado de todos os casos identificados de forma a atingirmos o objetivo global de erradicação até 2030. Precisamos de todos neste esforço conjunto!
Artigo de Opinião de Paulo Carrola, Núcleo de Estudos das Doenças do Fígado da SPMI
(26/07/2021)