Dia Mundial das Miosites

Dia Mundial das Miosites

O Dia Internacional de Sensibilização para a Miosite, recentemente criado, é o Dia Mundial da Miosite, comemorado anualmente a 21 de setembro. Foi proposto e fundado por um grupo internacional de organizações de doentes, pretendendo sensibilizar o público em geral e a comunidade médica para as ‘miosites’, ou seja, as miopatias inflamatórias idiopáticas (MII), promover a investigação nesta área e apoiar os doentes, sensibilizando para os desafios enfrentados por aqueles que vivem com a doença.

Sendo patologias raras, são doenças com morbi-mortalidade significativa, provocando um profundo impacto na vida pessoal e profissional dos doentes por elas afetados, tanto em fase aguda (atividade da doença), como em fase crónica (dano da mesma), além do impacto psicológico em pessoas jovens em plena idade ativa.

Não há dados oficiais, de forma global, sobre a prevalência e/ou incidência das ‘miosites’ em Portugal. No entanto, são doenças raras, pelo que a prevalência e incidência são baixas. A implicação direta centra-se no atraso do diagnóstico, que passa, necessariamente, por um diagnóstico diferencial exaustivo.

As miopatias inflamatórias idiopáticas (MII), ou ‘miosites’, são doenças crónicas com uma evolução por surtos de agudização, muitas vezes desencadeados por infeções. A etiologia é autoimune, mas a fisiopatologia não está ainda totalmente esclarecida, sabendo-se, no entanto, que uma desregulação do sistema imune inato e adquirido tem um papel fundamental no aparecimento e perpetuação do processo patológico.

Tratam-se de doenças sistémicas, ou seja, além do atingimento muscular e cutâneo, envolvem, frequentemente, outros órgãos e sistemas, nomeadamente com doença intersticial pulmonar ou poliartrite. Estes atingimentos extra-músculo/ pele, não raramente, são a forma de apresentação da doença (isoladamente e, por vezes, durante vários anos), realçando a importância de conhecer os fenótipos clinico-serológicos, mais recentemente descritos.

Clinicamente, tratam-se, predominantemente, de mulheres (40-50 anos), com sintomas de fraqueza muscular proximal e simétrica, incluindo músculos do pescoço (disfagia/ disfonia), mas poupando os músculos para-espinhais e oculo-motores. Apresentam instalação insidiosa e evolução progressiva. As mialgias são tipicamente ausentes ou ligeiras e não há outros sintomas neurológicos (como câimbras, disestesias, alteração dos reflexos, etc). Podem apresentar lesões cutâneas típicas (sobretudo em áreas foto-expostas) e habitualmente pruriginosas. Tipicamente, apresentam associação a sintomas constitucionais (astenia, anorexia com perda ponderal, febre) e de outros órgãos e sistemas (poliartralgias, dispneia, fenómeno de Raynaud). A dispneia poderá ser devida a atingimento pulmonar intersticial (até 50% dos dentes), ou, atingimento cardíaco, o qual sendo extremamente raro, pode associar-se a sintomas típicos de insuficiência cardíaca rapidamente progressiva.

O reconhecimento precoce da doença é fundamental para se excluírem outras doenças associadas, como neoplasias, e instituir um tratamento adequado e, sobretudo, atempado, no sentido de controlar os sintomas e evitar sequelas locais (músculo e/ou pele) e sistémicas (pulmão e coração) (i.e., dano orgânico).

O diagnóstico é clínico e baseia-se essencialmente no diagnóstico diferencial e reconhecimento de fenótipos clinico-serológicos, com uma importância crescente da presença de determinados auto-anticorpos, que, no contexto clínico apropriado e exclusão de outras causas, dispensam estudo complementar adicional. Existem múltiplos auto-anticorpos específicos e associados às miosites, mas cerca de 20-30% das MII são seronegativas, o que não exclui o diagnóstico. A biópsia muscular, tal como a ressonância magnética muscular, têm indicações específicas.

A classificação clínica é importante, não só em termos de diagnóstico, mas essencialmente em termos de prognóstico, estratégia terapêutica e monitorização a longo prazo. Os principais fenótipos reconhecidos nos adultos, actualmente, são: Dermatomiosite clássica, Dermatomiosite amiopática, Miopatia necrotizante imunomediada (MNIM), Síndrome Antisintetase, Miopatia de overlap, Miosite de corpos de inclusão, Polimiosite, Miopatia inflamatória inespecífica e Miopatia paraneoplásica. Actualmente, a MNIM é considerada o subtipo de ‘miosite’ mais frequente.

O tratamento, atualmente, é empírico, isto é, não há terapêutica on-label, aplicando-se os mesmos princípios que usamos noutras doenças autoimunes sistémicas, embora com algumas particularidades. Obviamente e tal como noutras doenças autoimunes sistémicas, depende da gravidade da doença e do doente em particular. Mas, o tratamento atempado pode prevenir a aquisição de dano ao nível de vários órgãos, nomeadamente pulmonar.

Em resumo, as miopatias inflamatórias idiopáticas (‘miosites’), sendo doenças raras, têm um impacto muito significativo na sobrevida e qualidade de vida dos doentes. O fator determinante do prognóstico é um diagnóstico precoce, o que implica um elevado grau de suspeição a priori, aliado a uma discussão multidisciplinar por equipas experientes nesta área. O tratamento, sendo empírico, se atempado, pode alterar a evolução e o prognóstico funcional dos doentes.

 

Dra. Ana Campar – Unidade Imunologia clínica da ULS Sto. António / Núcleo de Estudos de Doenças Autoimunes da SPMI

(20/09/2025)