Dia Mundial da Doença de Alzheimer – Perspetiva de uma Geriatra
Todos os dias, como médica geriatra, testemunho os desafios silenciosos que a doença de Alzheimer e outras demências impõem aos doentes e aos seus cuidadores. Neste Dia da Doença de Alzheimer, sinto que é urgente partilhar esta realidade, muitas vezes invisível, mas profundamente sentida.
O tabu da doença afeta tanto os doentes quanto os familiares. Muitos evitam encarar o diagnóstico e adiam a preparação para as mudanças que virão. Existe uma enorme esperança depositada nos medicamentos, enquanto se subestima o valor da atividade física, da socialização e da estimulação cognitiva, ferramentas comprovadamente essenciais para retardar a progressão e melhorar a qualidade de vida.
A acessibilidade a estas intervenções não farmacológicas continua limitada. Mesmo quando disponíveis, muitas famílias enfrentam barreiras logísticas e dificuldade em manter a adesão regular. Além disso, a falta de motivação dos doentes para se envolver em atividades fora da rotina diária é um obstáculo significativo, refletindo um problema cultural no nosso país, marcado pelo sedentarismo e pela vida centrada no domicílio.
Existem momentos de stress paradigmáticos no dia a dia no caso de pessoas com demência avançada: recusa das refeições, do banho, inversão do ciclo sono-vigília. Estes episódios desgastam emocionalmente famílias e cuidadores e exigem orientação e compreensão específicas.
A exaustão dos cuidadores intensifica-se diante de alterações comportamentais complexas, sem estruturas de apoio próximas. Esta sobrecarga muitas vezes precipita a institucionalização e acelera a deterioração dos doentes.
O respeito pelas Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) em Portugal nem sempre é assegurado. Poucos cidadãos recorrem a este instrumento devido ao desconhecimento. As DAV permitem que qualquer pessoa maior e capaz manifeste previamente as suas preferências sobre cuidados de saúde, incluindo a aceitação ou recusa de tratamentos, caso venha a ficar incapacitada de decidir. Existe também falta de clareza sobre o estatuto do maior acompanhado, que regula a proteção jurídica de pessoas que necessitam de apoio na prática de atos da vida civil. A escassez de profissionais qualificados para orientar, aconselhar e apoiar os cidadãos compromete a proteção dos melhores interesses das pessoas que vivem com demência e dificulta a efetivação das suas vontades.
O medo de desenvolver Alzheimer coexiste paradoxalmente com a resistência a tratar condições de risco, como depressão, isolamento ou défices auditivos, que poderiam ser mitigados e impactam diretamente a qualidade de vida.
Não podemos esquecer que ainda existem demências reversíveis: deficiência de vitamina B12, anemia perniciosa, disfunção tiroideia ou hidrocefalia de pressão normal. Se identificadas e tratadas precocemente, estas condições podem reverter sintomas ou retardar a progressão.
Procurar o apoio de um geriatra traz múltiplos benefícios: permite uma avaliação global do doente, ajuda a identificar fatores reversíveis, orienta intervenções não farmacológicas, apoia cuidadores e garante que o plano de cuidados respeita a vontade e o melhor interesse da pessoa com demência. O acompanhamento especializado reduz complicações, melhora a qualidade de vida e pode adiar a institucionalização precoce.
Neste Dia da Doença de Alzheimer, a mensagem é clara: a doença não é apenas médica, é social e familiar. É urgente investir em informação, sensibilização, apoio estruturado e valorização das intervenções não farmacológicas. Como geriatra, vejo todos os dias o impacto positivo que estas medidas trazem. É nossa responsabilidade, enquanto sociedade e profissionais de saúde, garantir que nenhum doente ou cuidador enfrente este percurso isoladamente.
Dia Mundial da Doença de Alzheimer – 21 de setembro
Sofia Duque – Coordenadora do Núcleo de Estudos de Geriatria da SPMI