Hospitalização ao domicílio no Norte Alentejano: projeto-piloto começa por arrancar em Elvas

O Departamento de Especialidades Médicas da Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano (ULSNA), que inclui os serviços de Medicina Interna do Hospital de Santa Luzia de Elvas (HSLE) e do Hospital Dr. José Maria Grande (HDJMG), é, desde outubro de 2015, dirigido por Vera Escoto.

Por serem serviços localizados no interior do país, onde a falta de médicos desta e de outras especialidades é uma realidade, o papel dos internistas torna-se ainda mais importante e a aquisição de competências noutras áreas da Medicina Interna faz ainda mais sentido.

Em entrevista à Just News, publicada na próxima edição de LIVE Medicina Interna, no âmbito de uma ampla reportagem sobre a unidade, a responsável adianta que, a curto prazo, será implementado em Elvas um projeto-piloto na área da hospitalização ao domicílio, uma das grandes apostas do Departamento, que é dificultada pela falta de recursos humanos.

Desde que aceitou o desafio que lhe foi colocado para assumir o cargo, Vera Escoto definiu que não podia comparar serviços. O foco devia ser fazê-los “crescer” de forma autónoma e complementar, com a única missão de “tornar o Departamento forte e de referência, com um serviço de excelência”.
Relativamente a Elvas, a médica sabia que o Serviço funcionava sem problemas, excetuando a impossibilidade de rentabilizar um espaço físico já existente e destinado a uma unidade de cuidados intermédios que nunca funcionou por falta de recursos humanos. Era necessário manter o espírito de equipa existente, um dos seus pontos fortes, assim como continuar a fomentar as boas práticas, no sentido de alcançar a excelência deste Serviço.

Dificuldade na fixação dos jovens internistas

Já em relação a Portalegre, como não conhecia tão bem o Serviço, entendeu que era importante efetuar uma análise mais profunda, avaliando os pontos fracos e as ameaças que podiam dificultar a execução de um plano estratégico para a sua melhoria. Uma ameaça ao seu regular funcionamento era, sem dúvida, a carência de recursos humanos e uma falta de regulamentação interna que disciplinasse o funcionamento do Serviço e que motivasse a equipa.

Por outro lado, o Serviço estava muito ligado ao SO do Serviço de Urgência, havendo uma dificuldade em “separar as águas”, com toda a problemática de gestão. Vera Escoto congregou esforços em conjunção com todos os elementos do Serviço, expôs o seu plano, envolvendo todos os elementos, ouvindo sugestões, com o propósito de o tornar um serviço “robusto” e “participativo”.

Um dos pontos fracos do Serviço de Medicina Interna do HDJMG é o facto de se localizar ainda mais distante dos grandes centros urbanos do que o Serviço de Elvas, dificultando ainda mais a fixação dos jovens internistas que ali se formam, o que “é bastante frustrante para todo o empenho do corpo clínico” e para a manutenção de um corpo clínico carente de recursos humanos. “Teremos de, a breve trecho, pensar em aliciantes para fixar os jovens que ali terminam os seus internatos e atrair outros, para poder expandir o Serviço”, refere.

Internos são o “motor” de um serviço

Vera Escoto considera que a formação é fundamental para a evolução de qualquer serviço. Tanto o HSLE como o HDJMG têm uma tradição formativa.

“Até à data, nunca tivemos qualquer interno que tivesse reprovado no exame final do Internato Médico de Medicina Interna”, destaca, desenvolvendo que os dois serviços têm, atualmente, catorze internos de formação específica (seis no HDJMG e oito no HSLE).

Foi seu intuito manter e fomentar a formação dos internos e, nesse sentido, dada a sua localização geográfica, estes podem fazer o seu doutoramento quer na Universidade de Badajoz, quer na Universidade da Beira Interior. Assim, há seis internos a fazer doutoramento, cinco dos quais na Universidade de Badajoz e um na Universidade da Beira Interior.


“A Medicina Interna num hospital como o de Portalegre é muito desafiante”

Isabel Soles é adjunta da Direção do Serviço de Medicina Interna do Hospital Dr. José Maria Grande, além de ser responsável pela Unidade Funcional de Diabetes do mesmo hospital. Em entrevista, a assistente graduada de Medicina Interna afirma que um dos maiores desafios que o Serviço enfrenta é a escassez de recursos humanos.

“Somos um hospital periférico e muitas vezes não conseguimos cativar um número de pessoas suficiente para podermos funcionar como gostaríamos”, indica. Tendo em conta o volume de trabalho assistencial, muitas vezes não é fácil conseguir ter o tempo que é necessário para a vertente do ensino.

Equipa do Serviço de Medicina Interna do HDJMG.

No entanto, “a Medicina Interna num hospital como o de Portalegre é muito desafiante, porque não existem as várias especialidades em urgência”. Ou seja, “um interno em formação consegue ver patologias com as quais no hospital central, se calhar, não consegue contactar tanto”.
“Diabetes assume uma grande importância nesta região”
Maria del Mar é assistente hospitalar do HSLE e responsável pela Unidade Funcional de Diabetes. Está ligada ao hospital desde que iniciou o Internato, em 2005.

De acordo com a médica, “a diabetes assume nesta região uma grande importância”. Os doentes são maioritariamente idosos que vivem em aldeias distantes do hospital e muitas vezes estão sozinhos. Desde que o apoio ao transporte foi retirado, tudo se tornou ainda mais difícil.

A nossa interlocutora considera que o principal ponto forte desta Unidade é o facto de a equipa ser multidisciplinar, incluindo, além dos médicos, enfermeiros, auxiliares, psicólogo, assistente social e cirurgião. Adicionalmente, conta com o apoio de um nefrologista de Portalegre.

Equipa do Serviço de Medicina Interna do HSLE.

Jornadas Transfronteiriças de Medicina Interna

Juan Manuel Urbano é diretor adjunto do Serviço de Medicina Interna do HSLE. Doutorado pela Universidad de Extremadura, é orientador de tese de doutoramento de três internos do Serviço, cujo doutoramento está a ser realizado na Universidad de Extremadura.

Desde 2004 que o Serviço tem um protocolo com a Universidad de Extremadura e desde 2002 que organizam, com a Sociedad Extremeña de Medicina Interna, as Jornadas Transfronteiriças de Medicina Interna, que reúnem internistas portugueses e espanhóis (a organização alterna, anualmente, entre Portugal e Espanha).

Em 2017, Juan Manuel Urbano preside à Comissão Organizadora do Congresso Regional Extremeño de Medicina Interna, que se realizará em simultâneo com as XII Jornadas Transfronteiriças. O evento, que terá Vera Escoto como presidente da Comissão Científica, terá lugar nos dias 24 e 25 de março, em Badajoz.

O médico espanhol é também responsável pela Consulta de Hipertensão, uma patologia que afirma ser muito prevalente nesta região do país, estimando-se que cerca de 40-45% da população sofre deste problema. Contudo, segundo Juan Manuel Urbano, “desde que a Consulta teve início que o número de pessoas com crises de hipertensão arterial que recorrem à urgência tem vindo a diminuir e são muitos os doentes com hipertensão que estão sob controlo com a medicação”.

Projeto-piloto de hospitalização ao domicílio
Segundo Vera Escoto, a procura crescente de cuidados de saúde hospitalares que se observa atualmente, assim como o envelhecimento progressivo da população, e o facto de no Serviço de Medicina Interna do HSLE existir uma dinâmica virada para a hospitalização ao domicílio (HAD), conduziram a que avançasse para um projeto-piloto nesta área, que se prevê que arranque ainda no primeiro trimestre de 2017, estando pendente por falta de recursos humanos médicos.

Este seu projeto foi discutido com dois enfermeiros do Serviço e um gestor, tendo-se tornado, atualmente, um projeto conjunto, o que, na sua opinião, “sem dúvida, melhorou a sua dinâmica e ajudará à sua implementação”.

O projeto tem como centro a humanização dos cuidados médicos de doentes com patologia aguda, que passam a ser tratados no lar do doente, onde tudo é familiar, e o doente terá a mesma qualidade de cuidados de saúde, mas em casa. E salienta: “O hospital ficará para os doentes cujo estado de saúde obrigue ao internamento”.

Na sua opinião, trata-se de “um projeto inovador, pois, vai tornar possível a integração dos médicos de MGF com os internistas, iniciando um processo de cooperação desde o hospital até ao domicílio. Os médicos de MGF terão contacto com o doente ainda durante o internamento. Este é, sem dúvida, um dos pontos fortes”.

Inclusão de doentes institucionalizados

Cerca de 30% da população residente na área de influência do HSLE é idosa, sendo que a maioria dos doentes internados no Serviço de Medicina Interna deste Hospital pertence a este grupo etário.

Esta realidade reforça a convicção de Vera Escoto na importância deste projeto inovador, sobretudo pela sua extensão a toda a população da área abrangida, incluindo os doentes institucionalizados em lares e cuidados continuados, “não havendo, como em outros tipos de hospitalização domiciliária, a exclusão desta população”.

(16-02-2017)