Entrevista a João Araújo Correia no Dia Mundial do Doente

11 de Fevereiro de 2018 Dia Mundial do Doente.

Entrevista a João Araújo Correia – Secretário Geral da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e Diretor do Serviço de Medicina do Centro Hospitalar do Porto

– Tem-se falado muito que é imperativo colocar as necessidades dos doentes no centro do sistema de saúde. O que é que isto significa na prática? E quais as medidas que, na sua opinião, poderiam ajudar a que isso acontecesse?

Para a Medicina Interna, “colocar as necessidades dos doentes no centro do sistema de saúde”, não é um mero cliché. É um imperativo prioritário, que significa facilidade no acesso aos cuidados de saúde requeridos e modelos de organização que privilegiem o tratamento integral do doente, principalmente o que padece de várias doenças crónicas complexas. Sendo difícil referir de modo sucinto todas as medidas que poderiam contribuir para este objetivo, sempre poderei dizer que o passo crucial é o estabelecimento de um diálogo fluido entre o Médico Hospitalar e o do Centro de Saúde, porque sem isso tudo o resto fica comprometido.

– Os dados referentes ao primeiro semestre do ano passado, facultados pela Entidade Reguladora da Saúde, dão conta da existência de mais de 32 mil reclamações na área da saúde (sobretudo em relação ao serviço público), o que configura um aumento de 10,9% quando comparando com igual período do ano anterior. Ou seja, parece que o grau de insatisfação dos utentes/doentes aumentou. Considera que têm, de facto, razões para estar insatisfeitos?

Podemos sempre dizer que o aumento do número de reclamações pode refletir a maior transparência do sistema, em que os utentes têm de facto acesso a um grande conjunto de informações, que antes lhes eram negadas. Também é verdade, que o aumento da exigência acompanha a evolução socioeconómica da sociedade, pelo que este fenómeno não é exclusivo do nosso País. No entanto, quero também referir um lado perverso dos nossos tempos mais recentes. Os políticos ao divulgarem de forma frenética os tempos de espera das consultas ou do atendimento na Urgência, comparando os hospitais e, por vezes, penalizando os que têm piores resultados, transmitiram para a população a ideia simplista e errónea de que os problemas nos cuidados de saúde se devem apenas aquela equipa ou Instituição e não a um Sistema de Saúde disfuncional e subfinanciado. Tenho vindo a ver com grande preocupação a agressividade dos doentes em espera no SU contra equipes de médicos e enfermeiros, esgotados a trabalhar sem parar, que mesmo assim são acusados de não fazerem o suficiente!

– A qualidade da informação disponibilizada e a delicadeza/urbanidade do pessoal clínico são dos principais motivos de queixa dos utentes dos serviços de saúde. O que é que falha para que se sintam assim?

È sempre possível melhorar, nomeadamente na área da comunicação entre médicos e doentes. Quanto á informação “administrativa” julgo que nunca o acesso foi tão fácil, embora, como já disse, por vezes ela seja mal utilizada. Há de facto outros aspetos em que precisamos de nos aproximar mais do doente, e deixá-lo participar mais nas decisões de diagnóstico e terapêutica.

– Apesar destes dados, no estudo organizado pela Health Consumer Powerhouse e o Euro Health Index salienta-se a melhoria do indicador relativo aos direitos e informação dos doentes. Há, de facto, esta preocupação de informar o doente, de o incluir nas decisões relacionadas com a sua saúde ou, no geral, os constrangimentos de tempo e económicos impedem que os médicos e profissionais de saúde o consigam fazer?

A comunicação não verbal tem muita relevância para que se estabeleça uma relação de confiança entre o médico e o doente. Se o médico se apresentar com pressa, inquieto, a olhar o relógio de soslaio, não há empatia que resista. Temos de encontrar um equilíbrio entre o tempo eficaz de resposta e a qualidade assistencial que urge preservar.

– Podemos mesmo dizer que temos um dos melhores serviços de saúde europeus?

Os nossos indicadores de saúde continuam bem colocados no ranking europeu. Isso deve-se á grande qualidade dos profissionais formados em Portugal, Médicos e Enfermeiros. Também conservamos um Sistema Nacional de Saúde com alguns defeitos, mas muitas qualidades. O acesso da população geral a cuidados de saúde em muitos países mais ricos do que nós, é muito mais restritivo. O que me parece estar pior é a nossa qualidade de vida depois dos 65 anos, que é um período da vida cada vez mais longo em Portugal, mas em que as carências sociais são gritantes, por mais que as queiram esconder!

– Na sua opinião, têm os doentes confiança no SNS?

Um bom indicador da confiança dos doentes no SNS, é o recurso aos Serviços de Urgência, que se mantém em subida constante. É claro que não é bom que assim seja, mas indica que o doente que não sabe a gravidade da queixa de que padece escolhe o hospital, apesar de saber da incomodidade das horas de espera.

– A questão da sustentabilidade do SNS e do seu financiamento tem estado na ordem do dia. Qual pode ser o caminho para tornar o SNS sustentável?

A sustentabilidade do SNS depende de que haja rigor nas contas, uma luta incessante contra o desperdício e de que o seu financiamento seja razoável e justo. É preciso que o SNS não seja “desnatado” dos contribuintes com valor, pela opção destes por outros sistemas de segurança e que a ADSE pague aos hospitais públicos de igual forma ao que faz com os privados. Será muito importante que, a seu tempo, os utentes e os trabalhadores da saúde, façam opções claras entre o sistema público e privado, acabando de vez com alguma promiscuidade atual, que todos sabemos que existe.

– E qual o papel dos internistas neste processo? Qual pode ser o seu contributo?

Os Especialistas de Medicina Interna deverão ser cada vez mais ser considerados como os alicerces do sistema de saúde no hospital, no internamento e no Serviço de Urgência. Cada vez mais,  temos exemplos em Portugal de hospitais, cuja organização se baseia em grandes departamentos dirigidos por Internistas e em que os outros Especialistas são consultores ou executores de técnicas ou procedimentos. O caminho é este: O Internista como o Gestor do Doente no Hospital!

– Qual a mensagem que considera mais importante neste Dia Mundial do Doente? E porquê?

Os Internistas Portugueses desejam aos seus doentes um dia fantástico! Acreditem que todos os dias trabalhamos para que se sintam melhor, com menos dores, mais alegria e esperança! Gostávamos de, por um toque mágico, vos acabar com todo o sofrimento. Mas, mesmo sem o conseguir, saibam que podem contar connosco e com o nosso braço parceiro e amigo.

11-02-2018